sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

A literatura com estilo de José Luiz Passos

Gonçalo Junior | De São Paulo
Valor Econômico - 04/01/2013


Edson Ruiz/Valor / Edson Ruiz/Valor

Passos: ao lado de nomes expressivos da literatura regionalista atual, como Antonio Carlos Viana, Ronaldo Brito e Francisco Dantas







Criar uma boa história não é tão fácil quanto parece. A observação, claro, é óbvia, mas nem sempre considerada. E necessária no panorama atual da literatura brasileira, tão pobre de ideias e de livros relevantes. Saber contá-la bem parece mais complicado ainda. E é na combinação dos dois que se tem um bom livro. José Luiz Passos consegue as duas coisas com competência em seu segundo romance, "O Sonâmbulo Sonhador".



Num estilo narrativo que remete a grandes autores urbanos brasileiros, mestres em explorar os dramas do cotidiano de tipos comuns, como Aníbal Machado e Marques Rebelo, o escritor pernambucano narra como um contador de histórias pronto e acabado para suprir a árida produção nacional da nova geração com grandes romances. Não é promessa, portanto, mas uma constatação.

A história gira em torno de Jurandir, um anti-herói sexagenário bem-intencionado cuja vida não parece lhe sorrir, por mais que tente acertar. Seja como amigo e marido, seja como empregado de uma empresa têxtil.

A estrutura da história mistura fragmentos do passado com o presente, sem fazer que a leitura se perca nessas idas e vindas.

Enquanto tenta resolver o problema do empregado que se queimara na empresa onde trabalha, o protagonista recorda-se do acidente sofrido na juventude que o deixou manco. Também se martiriza pela fragilidade da amizade; por seu casamento em crise por causa da traição e pela tragédia que aconteceu com seu único filho, morto precocemente.

O autor explora, assim, o tormento de todos, mortais comuns, obrigados a arrastar como correntes os fantasmas do passado.

Jurandir se mostra nostálgico, desejoso dos tempos melhores que ficaram para sempre no passado, enquanto é cobrado para enfrentar seus dramas e traumas do presente.

O perfil do funcionário perfeito, nesse contexto, não evita o pânico de uma travessia que passa rápido e é medíocre. Jurandir é malcasado com a namorada da adolescência e amante de uma jovem. Essa sina se redimensiona quando tudo dá errado, pouco antes de ele se aposentar, numa viagem que faz ao Recife para resolver um processo trabalhista como testemunha, já que é chefe de segurança numa tecelagem no interior de Pernambuco - algo máximo que um tipo como ele poderia almejar. Depois de alguns gestos fora do padrão de comportamento, ele acaba numa clínica psiquiátrica em Olinda.

A história toma outro rumo quando o psiquiatra que o trata lhe pede para descrever seus sonhos, contados de modo desordenado, entre fatos do passado, opiniões e o dia a dia de paciente. Seu mundo, então, se perde numa realidade caótica que não parece ter fim e ele se apega a um enfermeiro e a uma interna para driblar a insanidade.

Embora focada no universo urbano de uma grande cidade, Passos faz o que se poderia chamar de literatura regionalista e se junta a nomes expressivos como Antonio Carlos Viana, Ronaldo Correia de Brito e Francisco J.C. Dantas, todos de origem nordestina e que produzem seus livros sem sair de seus hábitats, além de ambientá-los num universo geográfico e temático próximo.

No seu caso, dá ao leitor um texto maduro e, ao mesmo tempo, refinado, pungente, irônico e sedutor, capaz de envolver quem lê no mundo que ele meticulosamente criou para inserir o personagem principal do romance.

O modo como constrói Jurandir, um tipo tão comum e humano, atormentado pelas angústias da perda e de uma vida de altos e baixos, faz de seu romance um momento especial da ficção nacional neste começo de século.





"O Sonâmbulo Amador"


José Luiz Passos Alfaguara. 272 págs., R$ 39,90

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