Zero Hora 12/01/2013
O David Coimbra vive me dizendo que não gosta de histórias tristes. Devo
ter cara de quem adora tragédia porque cada vez que eu recomendo um
livro ou um filme no Café TVCOM, meu amigo me olha de um jeito meio
desconfiado, como se qualquer sugestão aparentemente inofensiva que eu
faço pudesse esconder algum tipo de drama humano lancinante do qual ele
prefere manter distância – na vida como na arte.
Sim, eu confesso: encruzilhadas existenciais me interessam. Muito
mais do que aventuras nas selvas africanas, crimes perfeitos ou batalhas
durante a II Guerra. Mas assim como há filmes de guerra que são
obras-primas e outros que são bombas (sem trocadilho), enredos “humanos”
nem sempre são profundos, obviamente.
Algumas histórias tristes apenas arranham a superfície das emoções –
e a facilidade com que manipulam as reações do público é inversamente
proporcional à sutileza com que retratam um determinado sentimento.
Melodramas do tipo Uma Janela para o Céu (clássico Kleenex dos anos 70
que costumava extrair hectolitros de lágrimas das plateias), programas
de auditório e filmes publicitários estão aí para provar que a fórmula
do choro é bem menos misteriosa do que a fórmula da Coca-Cola.
Talvez a origem da desconfiança do David venha da constatação de que
algumas histórias tristes praticam uma espécie de estelionato emocional
no espectador. É verdade que muitos sairão de Uma Janela para o Céu com
os olhos vermelhos, mas satisfeitos pelo efeito catártico do filme:
chorar pelo sofrimento alheio de certa forma alivia as nossas próprias
mágoas represadas.
O espectador mais exigente, porém, talvez perceba que filmes desse
tipo costumam aplicar golpes baixos de sentimentalismo. (Para esses, o
sofrimento de estar no cinema acaba sendo maior do que qualquer
via-crúcis do personagem. )
Algumas histórias são tão tristes, que nem sequer fazem chorar – e
essas são as melhores. É o caso do filme Amor, de Michael Haneke, em
cartaz em Porto Alegre. Poucas vezes você vai assistir a um filme tão
dilacerante na crueza com que retrata a convivência de um casal de
idosos lidando com uma doença debilitante. Nada ali, porém, é gratuito
ou foi pensado para fazer você chorar – e talvez o filme seja mais
impactante exatamente porque não nos oferece o alívio da lágrima fácil.
Nem todos viveremos as perdas, as dores ou as angústias morais que
nos levam a questionar tudo o que sabemos (ou achamos que sabemos) a
respeito de nós mesmos e dos outros – e mesmo quando acontece de
estarmos muito próximos desse tipo de sofrimento nem sempre teremos
condições de extrair algum tipo de sentido disso.
Por que assistir a um filme sobre a dor quando há tantas comédias
disputando a nossa atenção e a vida real nem sempre nos dá refresco?
Porque há algo a respeito da confusa, dolorosa e inabarcável experiência
humana que apenas a grande arte é capaz de nos revelar.
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