Ana Clara Brant
Estado de Minas: 12/01/2013
Rubem Braga sempre esteve ligado às redações, desde sua primeira experiência no Diário da Tarde e no Estado de Minas
A carreira de Rubem Braga começou em 7 de março de 1932, no Diário da Tarde. O irmão mais velho, Newton, vivia em Belo Horizonte, que naquela época era muito procurada por quem buscava tratamento de problemas respiratórios, devido ao clima ameno, e arrumou um emprego no Estado de Minas. Depois de se sentir em casa, Newton indicou para trabalhar na empresa o irmão Rubem, já que o caçula vivia na capital mineira, onde acabou se formando em direito, numa turma em que tinha como colegas Tancredo Neves e Dario Almeida Magalhães, seu futuro chefe.
Deram a Rubem Braga, então com 19 anos, uma missão que ele, muito a contragosto, acabou cumprindo: cobrir uma exposição de cães no estádio do América, promovida pelo Brasil Kennel Clube e patrocinada pelo Clube Mineiro de Caçadores. A matéria, escrita com ironia e leve melancolia, agradou tanto à direção do jornal que o capixaba passou a assinar na semana seguinte a seção Notas sociais – Nos lares e nos salões – sob o título Qualquer cousa, em que publicava notinhas, poemas, piadas, notícias de casamento etc. Ao terminar de ler a reportagem, a chefia de Braga fez o seguinte comentário: “Está nascendo um sujeito novo no jornal, no Brasil. Escreve diferente de todo mundo e escreve muito bem. Vai longe este rapaz”.
Além do Diário da Tarde, o cronista passou a colaborar também com o Estado de Minas e chegou a cobrir nessa época a Revolução Constitucionalista, deflagrada em São Paulo. A breve temporada em Minas, de aproximadamente dois anos, lhe deu um atributo: a mineirice. Apesar de ter nascido no Espírito Santo, Braga tinha um temperamento mais mineiro do que capixaba, como confirma o escritor e jornalista José Castello, autor de Na cobertura com Rubem Braga. “Não só pelo período em que ele viveu em Minas, mas pela convivência com os mineiros que invadiram a literatura carioca, como o Otto Lara Resende, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Hélio Pellegrino, o Braga acabou adquirindo um pouco dessa docilidade, do jeito afável, reservado e cordato que os mineiros costumam ter”, analisa. Foi em Belo Horizonte também que Braga conheceu sua esposa, Zora Seljan, descendente de croatas e uma mulher à frente do seu tempo, de quem posteriormente se desquitou e com quem teve seu único filho, Roberto Seljan Braga, que ainda vive na famosa cobertura de Ipanema.
Na semana santa de 1933, em plena Sexta-feira da Paixão, Rubem escreveu um artigo irreverente e considerado desrespeitoso à imagem de Nossa Senhora de Lourdes, que desagradou ao arcebispo metropolitano, dom Cabral. Nos sermões, por orientação do arcebispo, os padres da capital aconselhavam os leitores a não lerem os jornais dos “Diabos Assalariados”, como o religioso apelidou o grupo de comunicação de Assis Chateaubriand. A solução foi mandar Rubem Braga para bem longe. Terminava ali o período nas Alterosas, pois no mesmo ano ele foi para São Paulo, onde passou a trabalhar para o Diário de São Paulo. Rubem Braga morreu em dezembro de 1990, no Rio de Janeiro, em decorrência de um câncer.
Rubem por Rubem
“Os jornais noticiam tudo, menos uma coisa tão banal de que ninguém se lembra: a vida.”
“Sou um homem do interior. Às vezes penso que merecia ser goiano.”
“Não sou cangaceiro por motivos geográficos e mesmo por causa do meu reumatismo.”
“Guerra é coisa triste. É monótona. Brincadeira de homem. Só tem homem lá.”
“Vivo numa certa solidão, sim. Mas eu acho horrível é a solidão a dois. Uma monotonia sem fim. Isso não me pega mais.”
“Confesso que escrevo de palpite, como outra pessoas tocam piano de ouvido.”
“Fazer política é namorar homem.”
“Entre o conde e o passarinho, prefiro o passarinho.”
“Filosofar é, antes de tudo, cuspir.”
“O pior dos mortos é que nunca telefonam.”
“Ela pode ter melhorado de marido, mas de estilo, nem tanto.” (Sobre a ex-mulher, Zora Seljan, quando ela se casou com o escritor Antônio Olinto)
“Recebo à bala.”(Quando o síndico do seu prédio lhe perguntou como receberia os moradores que quisessem frequentar a cobertura)
• Obra completa
» Crônicas
• O conde e o passarinho, 1936
• O homem rouco, 1943
• Morro do isolamento, 1944
• Com a FEB na Itália, 1945
• Um pé de milho, 1948
• A borboleta amarela, 1955
• A cidade e a roça, 1957
• Ai de ti, Copacabana, 1960
• O conde e o passarinho, 1961
• A traição das elegantes, 1967
• Crônicas do Espírito Santo, 1984
• Recado da primavera, 1984
• O verão e as mulheres, 1986
• As boas coisas da vida, 1988
» Ensaios
• Três primitivos, 1954
• Caderno de guerra de Carlos Scliar, 1969
» Memórias
• Casa dos Braga – Memória de infância, 1997
» Poesias
• Livro de versos, 1980
» Infantojuvenil
• O menino e o tuim, 1986
» Antologias
• 50 crônicas escolhidas, 1951
• 100 crônicas escolhidas, 1958
Os homens festejam o seu fiel e grande amigo...
Na escola primária, a gente aprende que o cão é o melhor amigo do homem, que é intelligente e leal. Na escola secundária, a gente lê com muita emoção o “Fiel” de Guerra Junqueira. Mas só se aprende a amar verdadeiramente os cães muito mais tarde, em plena escola da vida, quando se começa a conhecer melhor os homens…
Pitigrilli traçou, em um dos seus livros venenosos, a história de um cão de luxo, mimado e adulado, que se enfastiou da boa vida e fugiu. Fugiu para a tragica vagabundagem das ruas de Paris; para as brigas terriveis em torno de um osso; para a pesquiza incomoda das latas de lixo; para o perigo e para a fome. Naturalisado vira-lata, viveu feliz. Mas uma noite, quando dormia no seu lugar e na sua posição preferida, sobre uma ponte do Senna, com a barriga virada para as estrellas, passou um homem bem installado e caridoso, teve pena de sua miséria e espalhou os seus miolos com uma bala de revólver.
Essa fabula modeníssima ensina que nem sempre os homens compreeendem os cães, mas os amam.
Trecho da primeira matéria publicada de Rubem Braga, em 7/3/1932, no Diário da Tarde
Qualquer cousa
A noite está desapontada porque não compareceu nenhum violão, nenhum poeta, nem qualquer pingo de tristeza.
O meu cerebro trabalha appreensivamente. Queria estar perto de você recitando a irritante poesia do meu silencio.
O meu cerebro trabalha appreensivamente. Queria estar perto de você recitando a irritante poesia do meu silencio.
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Havia de lhe dizer, depois, uma phrase allucinada:
– Você parece Greta Garbo com dezessete annos e meio!
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Oh, minha pobre mocinha quasi feia, que gosta tanto de mim, eu confessaria o poema supremo do meu desejo de amar:
– Si você fosse bonita, seria linda...
Primeira crônica de Rubem Braga, de 14/3/1932, publicada no Diário da Tarde
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