Livro em que John dos Passos narra viagens ao Brasil de 1948 a 1962 ganha nova edição 50 anos após lançamento
Folhapress | ||
O escritor americano John dos Passos durante visita ao Brasil em 1958, na qual esteve acompanhado da mulher, Elizabeth, e da filha única, Lucy |
Americano neto de português, John dos Passos aproximou-se do Brasil quando quis vasculhar suas raízes.
O romancista nascido em 1896 em Chicago e morto em 1970 em Baltimore veio ao país pela primeira vez em 1948 para escrever reportagens para a revista "Life".
Desta e de outras duas visitas, em 1958 e em 1962, resultou "Brazil on the Move", misto de crônica de viagem, reportagem e ensaio.
Cinquenta anos após o lançamento nos EUA, em 1963 -sairia aqui em 1964 pela Record, sob o título "O Brasil Desperta", jamais reeditado-, o livro ganha novas edição e tradução pela Benvirá.
Chama-se agora "O Brasil em Movimento" e estará nas livrarias no final deste mês.
Ao desembarcar no Rio em 1948, Dos Passos já publicara suas obras-primas, a "Trilogia USA" ("Paralelo 42", "1919" e "O Grande Capital", de 1930 a 1936) e "Manhattan Transfer" (1925).
Ao desembarcar no Rio em 1948, Dos Passos já publicara suas obras-primas, a "Trilogia USA" ("Paralelo 42", "1919" e "O Grande Capital", de 1930 a 1936) e "Manhattan Transfer" (1925).
Pelas experimentações de estilo que expandiram os limites do modernismo americano, foi incensado por Sartre, que o definiu nos anos 1930 como "o maior escritor de nosso tempo", e Norman Mailer, que na mesma época classificou "1919" como "o melhor romance já escrito neste país nos últimos cem anos".
Dos Passos dirigiu ambulância na Primeira Guerra (1914-1918), foi correspondente na Segunda (1939-1945) e testemunhou a Guerra Civil Espanhola (1936-1939).
Pela guinada ideológica da esquerda à direita, foi tachado de comunista pelos fascistas e de fascista pelos comunistas. Rompeu com o amigo Hemingway por razões políticas -o colega o acusou de traidor da causa marxista.
Foi já com essa biografia que Dos Passos chegou ao Brasil. Encantou-se com o que considerou o embrião de uma nova potência.
Com apresentação do jornalista Paulo Markun, o livro tem oito capítulos. No primeiro, o autor traça um panorama histórico-cultural do país. Dos sete capítulos seguintes, um se dedica à viagem de 1948, três à de 1958 e três à de 1962.
Esteve em ao menos nove Estados, em todas as regiões, além de ter visto a construção de Brasília, para onde voltaria após a inauguração.
As passagens pelo Planalto Central e pelo Nordeste estão entre as mais saborosas. É irônico vê-lo se queixar, em 1962, que a praia de Boa Viagem, no Recife, já tinha "uma imensa quantidade de prédios", em contraste com a rusticidade de quatro anos antes, na primeira visita.
Há imprecisões e erros históricos, como o de que Benjamin Constant foi ministro de dom Pedro 2º, mas sobressaem o olhar acurado e o estilo do grande romancista.
Na biografia "Dos Passos: A Life", de Virginia Spencer Carr, o escritor fala de seu fascínio pelo Brasil.
Na biografia "Dos Passos: A Life", de Virginia Spencer Carr, o escritor fala de seu fascínio pelo Brasil.
"Talvez o fato de eu ter tido um avô português ajude. (...) Quando me perguntam por que continuo querendo ir ao Brasil, parte é porque o país é tão vasto e cru (...) Mas é principalmente porque é fácil lidar com as pessoas."
Dos Passos, que compreendia, mas não falava português, fez amigos, entre os quais Erico Verissimo, Gilberto Freyre e Carlos Lacerda.
Ao governador da Guanabara, cujo rosto estampava a edição de 1964, são dedicadas páginas laudatórias.
Ao relatar a viagem de 1962, Dos Passos explicita sua retórica anticomunista.
Especialistas na obra do escritor divergem sobre os objetivos político-diplomáticos das visitas e do livro.
"Não é um livro ideologicamente inocente. Na mesma época da sua publicação, Dos Passos participa ativamente da convenção do Partido Republicano que elege como candidato à Presidência o maior falcão da época, Barry Goldwater", diz o acadêmico português Vamberto Freitas, da Universidade dos Açores.
Biógrafo do escritor (autor de "John Dos Passos: A Twentieth Century Odyssey"), o americano Townsend Ludington releva o teatro político. "Não creio que estivesse preocupado com relações diplomáticas. Ele adorava viajar e queria mostrar o Brasil à mulher e à filha."
O BRASIL EM MOVIMENTO
AUTOR John dos Passos
TRADUÇÃO Magda Lopes
EDITORA Benvirá
QUANTO R$ 39,90 (290 págs.)
AUTOR John dos Passos
TRADUÇÃO Magda Lopes
EDITORA Benvirá
QUANTO R$ 39,90 (290 págs.)
DOS PASSOS SOBRE...
"Foi como visitar Pompeia ou Monte Albano, mas ao contrário. Em vez de imaginar a vida que existia 2.000 anos atrás, víamo-nos imaginando a vida que haveria ali daqui a dez anos"
JK
"Quando o presidente Kubitschek entrou com passos ágeis, acompanhando seu chefe do cerimonial, parecia quase tão deslocado quanto seus visitantes em meio a esses esplendores afrancesados. Havia certo jeito de cidade pequena na maneira como ele usava suas roupas, que não era desprovida de atrativos para um americano. Ele se portava bem"
NIEMEYER
"Numa nação de pessoas loquazes, parecia extremamente parcimonioso com as palavras. Só depois de conversar com Niemeyer durante algum tempo comecei a perceber nele uma espécie de firmeza robusta, como a segurança de um pedreiro. (...)
Com relação à política, é desconcertantemente ingênuo. Embora declare ser comunista e contribua para o Partido, ele desenha igrejas, clubes de iatismo e cassinos com tanto entusiasmo quanto desenha apartamentos para trabalhadores"
CARLOS LACERDA
"Ele parece ter todos os detalhes na cabeça. Dá a impressão de saber mais sobre cada projeto do que os encarregados. Embora seja duro com a incompetência, mantém bastante alto o entusiasmo de sua equipe. O bom trabalho é imediatamente reconhecido.
(...) É costume no Brasil um homem público encontrar emprego para todos os seus amigos e parentes. Lacerda manteve-os a distância"
GILBERTO FREYRE
"Foi nosso anfitrião por um dia inteiro. Foi como vivenciar um capítulo de 'Casa-Grande & Senzala'. Ele nos levou para almoçar na zona rural, numa antiga fazenda de açúcar.
(...) o jovem casal que nos recebeu, extremamente agradável, era como jovens casais com gostos artísticos que você pode encontrar em qualquer lugar do mundo, mas de algum modo Freyre conseguiu evocar o engenho e as pessoas que viveram lá ao longo dos anos"
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