Ana Clara Brant
Estado de Minas: 12/01/2013
‘‘Se não é aguda, é crônica.” Foi essa resposta direta e irônica que o capixaba Rubem Braga deu a um jornalista que havia lhe perguntado o que era crônica, gênero que ele transformou e consagrou no século 20. Hoje, se estivesse vivo, o “Urso de Ipanema” ou o “Fazendeiro do Ar”, dois dos vários apelidos que ganhou, estaria comemorando seu centenário. Com 62 anos de carreira, iniciada no Diário da Tarde, em Belo Horizonte, em março de 1932, com uma reportagem antológica sobre uma exposição de cães, Braga escreveu dezenas de livros, cobriu jornalisticamente momentos históricos, como a Revolução de 1932 no Brasil e a campanha da FEB na Itália, durante a Segunda Guerra Mundial, trabalhou nos mais importantes veículos de comunicação do país e chegou a atuar como embaixador. Mas foram seus 15 mil textos que o elevaram ao posto de maior cronista brasileiro, eternizando um estilo e tornando-se referência para várias gerações. Rubem Braga ensinou a extrair poesia das coisas simples.
O jornalista e escritor mineiro Humberto Werneck é um dos que foram influenciados pelo autor de O conde e o passarinho. Para ele, Rubem Braga fez parte de um time formado por nomes como Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Fernando Sabino, Antônio Maria e Paulo Mendes Campos, entre outros, que integrou o período de ouro do gênero no país, nos anos 1950 e 1960. “Braga trouxe novidade, chegou com um toque leve e refinado, que se tornou a matriz da moderna crônica brasileira. Costumo dizer que é a chamada maioridade da crônica. E o mais interessante é que, ao contrário dos outros, como Drummond e Bandeira, que eram poetas, ou Raquel de Queiroz, que era romancista, Rubem Braga foi essencialmente cronista”, constata Werneck.
Para o autor de O desatino da rapaziada, o “velho Braga”– como o próprio Rubem se autodenominava quando ainda era jovem – tinha uma maneira sutil, uma pegada única e, mesmo quando não tinha assunto para escrever, conseguia se sobressair. “Ele dá ao leitor a sensação de que está escrevendo exclusivamente para ele. E não tem graça alguém ler e contar para você. Você é que tem que ler. É algo diferente”, comenta o jornalista, que chegou a conhecê-lo pessoalmente.
Apesar de muitos considerarem o capixaba nascido em Cachoeiro do Itapemirim – mesma cidade natal do cantor Roberto Carlos – um velho turrão, Werneck confirma que ele tinha certa rigidez, mas era extremamente acolhedor com os amigos e a família. “Rubem Braga era reservado e discreto, mas, quando falava, soltava umas intervenções precisas. Era uma figuraça e tinha um senso de humor maravilhoso, com um pouco de sarcasmo e ao mesmo tempo um lirismo que não era meloso. Tem uma história interessante que gosto de lembrar. Nos anos 1980, ele ficou sabendo que eu estava querendo fazer a biografia do compositor Jaime Ovalle e me disse: ‘Mexe com isso não. O Jaime só tem quatro histórias. Três, o Fernando Sabino já contou, e a quarta é mentira’”, recorda Werneck, entre risos.
Outro que conviveu com Rubem Braga é o escritor e colunista do Estado de Minas Affonso Romano de Sant’Anna que foi vizinho do cronista no Rio de Janeiro. Os dois se conheceram no fim dos anos 1970, quando faziam parte do conselho da Editora Francisco Alves. Hoje, curiosamente, entre o apartamento de Braga e o de Romano foi construído há um ano o Complexo Rubem Braga, uma torre de 15 andares com elevadores para os habitantes da comunidade do Pavãozinho. Affonso Romano de Sant’Anna destaca que, ao mesmo tempo em que o cronista era distante, conseguia ser afetuoso e criar um ambiente fraterno em volta de si. E isso de certa forma aparecia em seus textos. Para o escritor mineiro, apesar de praticamente todos os autores nacionais se enveredarem por esse gênero, como José de Alencar, Machado de Assis e Carlos Drummond de Andrade, Braga reinventou a crônica e fez surgir algo completamente inédito na nossa literatura. “Em vez de ficar relatando fatos como eles realmente eram, ele introduziu a subjetividade no texto, permitindo o olhar do observador. A subjetividade passa a ser mais importante do que a coisa observada, ou seja, a maneira de ver a coisa é o que importa. Rubem Braga inventou como pegar o fato cotidiano e dar sabor a ele”, resume Romano, que prefaciou Livro de versos, única obra de poesia publicada pelo amigo capixaba.
Na cobertura Profundo admirador da obra de Braga, o escritor e jornalista José Castello não o conheceu pessoalmente e costuma dizer que o cronista é uma espécie de miragem para ele. Mesmo assim, decidiu publicar em 1996 o livro Na cobertura com Rubem Braga, em que, por meio de depoimentos e fotos de escritores e intelectuais como Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Antônio Callado e Vinicius de Moraes, reconstrói a vida e a obra do mestre. “Não pretendi fazer uma biografia, nem um ensaio crítico ou literário, mas escrevi esse livro tentando ser cronista como ele. Fiz uma grande crônica celebrando o principal fundador da crônica moderna brasileira”, ressalta Castello.
Organizada em verbetes, como se fosse um dicionário, a publicação traz temas presentes não só na vida de Braga, como nas crônicas de um modo geral. “A crônica é fluida e interessante, fica no meio do caminho entre a mentira e a verdade; oscila entre a realidade e a fantasia. É um gênero extremamente intimista e lírico, por isso o cronista é lento, introspectivo, requer uma observação silenciosa”, opina José Castello. Para ele, Rubem Braga fazia isso com maestria e o que mais o encanta nele é o fato de o cronista se conservar resistente em seu mundo à parte: sua “fazenda voadora”, localizada justamente na cobertura que inspirou o título do livro.
O lugar singular em Ipanema é rodeado por árvores frutíferas e hortas, e Rubem Braga mantinha uma vida singular em meio à urbanidade da Zona Sul carioca. “Ele persistia em seu caminho contra tudo e contra todos, sempre. Há críticos que dizem que a crônica é um gênero menor, o que é um absurdo, e o Braga mostrou que ela é um gênero literário tão grande e importante como qualquer outro. Rubem Braga exacerbou esse aspecto da leveza e do lirismo, dois atributos cruciais da crônica moderna. Sem falar na visão contemplativa do mundo, à qual ele foi extremamente fiel”, analisa Castello.
O jornalista e escritor mineiro Humberto Werneck é um dos que foram influenciados pelo autor de O conde e o passarinho. Para ele, Rubem Braga fez parte de um time formado por nomes como Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Fernando Sabino, Antônio Maria e Paulo Mendes Campos, entre outros, que integrou o período de ouro do gênero no país, nos anos 1950 e 1960. “Braga trouxe novidade, chegou com um toque leve e refinado, que se tornou a matriz da moderna crônica brasileira. Costumo dizer que é a chamada maioridade da crônica. E o mais interessante é que, ao contrário dos outros, como Drummond e Bandeira, que eram poetas, ou Raquel de Queiroz, que era romancista, Rubem Braga foi essencialmente cronista”, constata Werneck.
Para o autor de O desatino da rapaziada, o “velho Braga”– como o próprio Rubem se autodenominava quando ainda era jovem – tinha uma maneira sutil, uma pegada única e, mesmo quando não tinha assunto para escrever, conseguia se sobressair. “Ele dá ao leitor a sensação de que está escrevendo exclusivamente para ele. E não tem graça alguém ler e contar para você. Você é que tem que ler. É algo diferente”, comenta o jornalista, que chegou a conhecê-lo pessoalmente.
Apesar de muitos considerarem o capixaba nascido em Cachoeiro do Itapemirim – mesma cidade natal do cantor Roberto Carlos – um velho turrão, Werneck confirma que ele tinha certa rigidez, mas era extremamente acolhedor com os amigos e a família. “Rubem Braga era reservado e discreto, mas, quando falava, soltava umas intervenções precisas. Era uma figuraça e tinha um senso de humor maravilhoso, com um pouco de sarcasmo e ao mesmo tempo um lirismo que não era meloso. Tem uma história interessante que gosto de lembrar. Nos anos 1980, ele ficou sabendo que eu estava querendo fazer a biografia do compositor Jaime Ovalle e me disse: ‘Mexe com isso não. O Jaime só tem quatro histórias. Três, o Fernando Sabino já contou, e a quarta é mentira’”, recorda Werneck, entre risos.
Outro que conviveu com Rubem Braga é o escritor e colunista do Estado de Minas Affonso Romano de Sant’Anna que foi vizinho do cronista no Rio de Janeiro. Os dois se conheceram no fim dos anos 1970, quando faziam parte do conselho da Editora Francisco Alves. Hoje, curiosamente, entre o apartamento de Braga e o de Romano foi construído há um ano o Complexo Rubem Braga, uma torre de 15 andares com elevadores para os habitantes da comunidade do Pavãozinho. Affonso Romano de Sant’Anna destaca que, ao mesmo tempo em que o cronista era distante, conseguia ser afetuoso e criar um ambiente fraterno em volta de si. E isso de certa forma aparecia em seus textos. Para o escritor mineiro, apesar de praticamente todos os autores nacionais se enveredarem por esse gênero, como José de Alencar, Machado de Assis e Carlos Drummond de Andrade, Braga reinventou a crônica e fez surgir algo completamente inédito na nossa literatura. “Em vez de ficar relatando fatos como eles realmente eram, ele introduziu a subjetividade no texto, permitindo o olhar do observador. A subjetividade passa a ser mais importante do que a coisa observada, ou seja, a maneira de ver a coisa é o que importa. Rubem Braga inventou como pegar o fato cotidiano e dar sabor a ele”, resume Romano, que prefaciou Livro de versos, única obra de poesia publicada pelo amigo capixaba.
Na cobertura Profundo admirador da obra de Braga, o escritor e jornalista José Castello não o conheceu pessoalmente e costuma dizer que o cronista é uma espécie de miragem para ele. Mesmo assim, decidiu publicar em 1996 o livro Na cobertura com Rubem Braga, em que, por meio de depoimentos e fotos de escritores e intelectuais como Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Antônio Callado e Vinicius de Moraes, reconstrói a vida e a obra do mestre. “Não pretendi fazer uma biografia, nem um ensaio crítico ou literário, mas escrevi esse livro tentando ser cronista como ele. Fiz uma grande crônica celebrando o principal fundador da crônica moderna brasileira”, ressalta Castello.
Organizada em verbetes, como se fosse um dicionário, a publicação traz temas presentes não só na vida de Braga, como nas crônicas de um modo geral. “A crônica é fluida e interessante, fica no meio do caminho entre a mentira e a verdade; oscila entre a realidade e a fantasia. É um gênero extremamente intimista e lírico, por isso o cronista é lento, introspectivo, requer uma observação silenciosa”, opina José Castello. Para ele, Rubem Braga fazia isso com maestria e o que mais o encanta nele é o fato de o cronista se conservar resistente em seu mundo à parte: sua “fazenda voadora”, localizada justamente na cobertura que inspirou o título do livro.
O lugar singular em Ipanema é rodeado por árvores frutíferas e hortas, e Rubem Braga mantinha uma vida singular em meio à urbanidade da Zona Sul carioca. “Ele persistia em seu caminho contra tudo e contra todos, sempre. Há críticos que dizem que a crônica é um gênero menor, o que é um absurdo, e o Braga mostrou que ela é um gênero literário tão grande e importante como qualquer outro. Rubem Braga exacerbou esse aspecto da leveza e do lirismo, dois atributos cruciais da crônica moderna. Sem falar na visão contemplativa do mundo, à qual ele foi extremamente fiel”, analisa Castello.
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