Hugo, mas pode chamar de Sebastião
Venezuela flerta com Macondo ao reinventar um sebastianismo com sabor e molho caribenhos
Não é correto comparar a situação venezuelana com a que o Paraguai viveu quando da destituição do presidente Fernando Lugo.No Paraguai, respeitou-se a Constituição, mas cerceou-se o direito de defesa do presidente, vítima de um "impeachment-express", que o lesou irreparavelmente.
Na Venezuela, ao contrário, violou-se a Constituição, que não prevê prorrogação do mandato, mas protegeu-se o presidente.
Mais pertinente é comparar com o sebastianismo, a permanente espera de Portugal pelo retorno de Dom Sebastião, o rei morto na batalha de Alcácer-Quibir, em 1578, sem deixar herdeiros.
A Venezuela oficial, Justiça incluída, decretou que o país tem que esperar indefinidamente o retorno do "rei" Chávez, desaparecido nas brumas de um país, Cuba, fechado ao escrutínio de quem quer que seja.
Outra comparação pertinente é com Macondo, a cidade mais típica do realismo mágico de que a América Latina é prenhe.
Se se criou um "sebastianismo" tropical, evitou-se uma situação potencialmente macondiana. Decidir agora que Hugo Chávez está permanentemente inabilitado para cumprir seu novo mandato e, por extensão, convocar novas eleições em um prazo de 30 dias poderia levar à seguinte situação, se o presidente se recuperar: um presidente legítimo de volta, a assombrar outro presidente igualmente legítimo, ambos com a santificação dada pela urnas (Chávez em outubro; o novo presidente em fevereiro).
Duvido que a Venezuela resistisse a um cenário desses.
Justifica-se, então, a violação à Constituição? Não. O lógico era aplicar o artigo 234, que reproduzo em espanhol para que não fiquem dúvidas e porque a tradução é fácil:
"Las faltas temporales del Presidente o Presidenta de la República serán suplidas por el Vicepresidente o Vicepresidenta Ejecutiva hasta por 90 días, prorrogables por decisión de la Asamblea Nacional por 90 días más. Si una falta temporal se prolonga por más de 90 días consecutivos, la Asamblea decidirá por mayoría si debe considerarse que hay falta absoluta".
Em caso de "falta absoluta", aí sim seriam convocadas eleições. Respeitar-se-ia o mandato legítimo de Chávez, dar-se-ia a ele um tempo prudencial para que se recupere ou para que fique claro que não está em condições de cumprir o mandato, e a Constituição não precisaria ser arranhada ou sofrer interpretações de conveniência de quem quer que seja.
Por que não se seguiu uma lógica tão elementar? Só os herdeiros políticos de Chávez podem explicar. Talvez tenham ficado com medo de assumir que o presidente é vulnerável a ponto de faltar a uma data tão simbólica. É preferível "sebastianizá-lo" e ficar esperando que reapareça algum dia.
É o problema de modelos unipessoais, em que só o "rei" tem o mapa do caminho. Ainda mais quando ele escolhe um herói que se esgotou no século 19 (Simon Bolívar) ou um modelo que fracassou no século 20, tanto que o socialismo de Chávez é, teoricamente, do século 21. O diabo é que seus herdeiros recuam ainda mais no tempo, ao século 16.
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