quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Elio Gaspari

FOLHA DE SÃO PAULO

Diplomacia desmascarada
As simpatias chavistas do comissariado expuseram a estudantada imposta ao Paraguai no ano passado
EM JUNHO passado a diplomacia do comissariado meteu-se numa estudantada expulsando o Paraguai do Mercosul porque seu congresso removera o companheiro Fernando Lugo da presidência do país.
Tudo sob a liderança de Hugo Chávez e em nome da defesa do que seria uma "claúsula democrática" da instituição.
O impedimento de Lugo deu-se dentro de um quadro de respeito à Constituição do país. Um respeito meio girafa, pois ele foi submetido a um rito legal, porém sumário. Ao contrário do que sucedeu em 2009 em Honduras, quando o presidente Manuel Zelaya foi mandado a força para o exílio, Lugo continuou morando na mesma casa. Desde então o Paraguai vai bem, obrigado.
Agora, com a incerteza sobre o estado do presidente Chávez, os constitucionalistas da diplomacia brasileira aceitaram a interpretação dos seguidores do "comandante" de que uma nova eleição pode ser realizada em até 180 dias. Tudo bem, mas muitos venezuelanos acreditam que, segundo a Constituição, o novo pleito deveria ocorrer em 30 dias. Por que o Brasil tinha que se meter nesse barraco?
O vice-presidente Nicolás Maduro diz que a presença de Chávez em Caracas é apenas uma formalidade. Há quatro anos o presidente da Corte Suprema americana embaralhou as palavras do juramento do companheiro Obama na sua posse e, no dia seguinte, foi à Casa Branca para refazer a cena. Admita-se que se tratava de uma firula.
Se Chávez estivesse gripado, o vice-presidente teria toda razão. Se passasse por uma complicação resultante de uma extração da vesícula, teria alguma. Chavez luta desde 2011 contra um câncer e já passou por quatro cirurgias.
Desde que chegou a Havana os venezuelanos não veem sua imagem ou ouvem sua voz.
Os brasileiros têm uma vaga lembrança do que é isso. Em 1969 o marechal Costa e Silva teve uma isquemia cerebral e os generais declararam a incapacidade do vice-presidente Pedro Aleixo, que estava bem de saúde. Assumiu uma junta militar, "os três patetas", segundo Ulysses Guimarães.
Durante algumas semanas propagaram que o inválido, com um lado do corpo paralisado e sem voz, estava melhorando. Na segunda metade do século passado essas coisas eram possíveis nas ditaduras.
Num prognóstico otimista Chávez poderia estar no caso do vice-presidente José Alencar, que lutou durante 13 anos e 17 cirurgias, mas nunca se escondeu. Não se sabe qual é o estado de saúde de Chávez, sabe-se apenas que amanhã ele não estará em Caracas para assumir o cargo para o qual foi reeleito.
Se não houver chavismo sem Chávez, o problema será outro, mais grave e insolúvel sem a legitimação do voto. A ideia segundo a qual a Venezuela pode ter um presidente num hospital de Havana é uma extravagância muito maior que o rito sumário do impedimento de Lugo.
O endosso imediato do ritual chavista assemelha-se ao reconhecimento do novo governo brasileiro em 1964, quando João Goulart ainda estava no país.
Chávez não está na Venezuela e ganha uma viagem de ida a Damasco quem tiver a coragem de dizer quando sairá do hospital.
Esse tipo de diplomacia leva os companheiros a replicar a parolagem dos generais brasileiros de 1969. Os "três patetas" também diziam que escolheriam o novo presidente para defender a democracia. Como fariam isso, nem eles sabiam.

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