Vestindo (a carapuça)
Sei que o problema é meu, que a pontualidade, entre os povos ensolarados, é um desvio de caráter
"ESTE LIVRO foi escrito durante todos os momentos em que esperava minha mulher se vestir" -diz Groucho Marx, em sua autobiografia. "Se ela nunca tivesse se vestido, este livro jamais teria sido escrito." Eu, menos talentoso e mais ansioso do que o velho Marx, não sou capaz de digitar sequer um SMS enquanto aguardo minha mulher se arrumar; resigno-me a andar em círculos pelo quarto, chacoalhando o molho de chaves, repetindo de minuto em minuto o horário estampado no celular, como um rádio-relógio -ou como um papagaio que tivesse sido criado ao lado de um rádio-relógio-, expediente esse que, se tem logrado algum sucesso no que tange à pontualidade, ainda pode levar à ruína do meu casamento.
Não pense, cara leitora, que estou sendo machista, opondo a autoproclamada diligência masculina à suposta confusão feminina. Muito pelo contrário: sei, pelo menos desde o último domingo, que o problema é meu, que a pontualidade, entre os latinos e outros povos ensolarados, é um desvio de caráter, uma neurose, algo que devo tratar na análise ou, no mínimo, refletir bastante a respeito, nas infinitas horas em que fico sentado a esperar que os outros apareçam.
Pois vamos ao domingo. Tínhamos um casamento, 11 da manhã. De todos os possíveis compromissos aos quais se pode (ou melhor, não se pode) chegar atrasado, o que mais me angustia é o casamento. Sinto que perder a cerimônia e aparecer só para a festa é como, ao correr uma maratona, pegar um táxi para a linha de chegada. De certa forma, ouvir o discurso do padre, dos padrinhos, dos noivos, suar sob o terno, com a boca seca e o estômago vazio, enquanto se participa do ritual meio budista, meio celta ou meio bororo que o casal preparou, são passos imprescindíveis para se merecer o espumante, a vitela, o YMCA e os 17 bem-casados que serão levados para casa, no bolso. E na meia. E na cueca.
Foi mais ou menos isso que tentei explicar à minha mulher, sábado à noite, durante um jantar que eu mesmo preparei e servi, à luz de velas -em vão. Se, das outras vezes, ela tinha sido compreensiva e tratado minha obsessão com benevolência, no sábado bateu o pé. Disse que ninguém chegaria às 11 no casório, que ficaríamos só nós dois esperando num bufê deserto, que não se submeteria novamente à minha loucura. Se eu quisesse, que fosse antes, sozinho: ela iria depois, meio-dia, meio-dia e meia, como todas as "pessoas normais". "Ótimo! É isso mesmo que eu vou fazer!" "Perfeito! Vai lá! Abre o bufê! Você vai ser o primeiro a chegar!" "Não vou!" "Ah, mas vai!" "Ah, mas não vou!" "Quer apostar?"
É com imensa alegria, cara leitora, caro leitor, que lhes informo não ter sido o primeiro. O padre já estava lá. Padre Rubens, um homem pontual e comunicativo, cuja biografia eu seria capaz de escrever depois de uma hora escutando-o no bufê vazio; uma infinita hora em que esperamos minha mulher, todas as outras mulheres, seus maridos, os noivos e as famílias dos noivos se vestirem.
O que posso dizer depois dessa lição? Nada. Somente, quem sabe, que se eles nunca tivessem se vestido esta crônica jamais teria sido escrita. Não chega a ser um consolo, mas, pelo menos, espero, serve como piada.
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