Pequeno setentão
Janeiro é um mês talhado para importantes tomadas de decisão. Fazendo um balanço rigoroso dos desafios que eu poderia enfrentar neste 2013, optei por começar o ano dando cabo de uma de minhas lacunas intelectuais.
É respirar fundo e ler "O Pequeno Príncipe" -matutei- tão logo pipocaram os últimos fogos de artifício.
Não foi nem por influência do filósofo alemão Martin Heidegger, que já qualificou a obra de Antoine de Saint-Exupéry como um dos grandes livros existencialistas do século 20, nem para seguir as recomendações de leitura da Miss Maranhão 2012, que, fiel aos protocolos, declarou, no mais recente Miss Brasil, ter lido a fábula duas vezes.
Tomei coragem após analisar a lista de livros mais vendidos no Brasil, em 2012, do site PublishNews.com.br. Bati o olho e notei, entre os 20 títulos triunfantes, os três lúbricos tomos de "Cinquenta Tons de Cinza", os luminares conselhos de Edir Macedo e do padre Marcelo e outras obras recentes. Mas eis que no 15º posto encontro "O Pequeno Príncipe". Como explicar?
Listas de best-sellers são novidadeiras, e a fábula do garoto de cabelos dourados faz sete décadas neste ano.
Houve algum relançamento no Brasil? Necas. É a editora Agir que publica o título aqui desde 1952, com as mesmas capa e tradução de dom Marcos Barbosa (repleta de "vós não sois" e outros arcaísmos).
Algum novo filme de Hollywood ou um game? Nada. Seria um fenômeno global? Improvável. Embora seja dos livros mais difundidos do mundo, com 216 traduções (há edições do abecásio ao zulu), o livro estava ontem na posição 9.531 de um ranking da Espanha e em 20.266º nos Estados Unidos. Foi lá que o livro foi lançado originalmente, em 1943, quando o piloto-escritor francês se refugiava da Segunda Guerra em Nova York.
Saint-Ex morreu no ano seguinte, aos 44, depois de ter sumido pilotando um avião próximo a Marselha, em episódio ainda nebuloso.
Nebuloso segue, para mim, o êxito do principezinho. Acabei a leitura sem enxergar as profundezas metafísicas que na obra viram Heidegger, Gide e Sartre. Mas sem o desprezo tão em voga nas neointelectualidades.
Há frases bonitinhas, como "A flor parecia nunca acabar de preparar sua beleza, no seu verde aposento", há uma estrutura narrativa eficaz, a da "jornada do herói", há uma certa graça nas mambembes aquarelas de Exupéry. Acima de tudo, "O Pequeno Príncipe" ainda cumpre, 70 anos depois, aquilo que seu narrador exprime na penúltima página: "Às vezes a gente se distrai e isso basta!". Ao menos eu e Miss Maranhão achamos que sim.
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