sábado, 5 de janeiro de 2013

Jabuticaba e outras singularidades - João Paulo‏

Estado de Minas:05/01/2013

O livro As leis secretas da economia – Revisitando Roberto Campos e as leis do Kafka, de Gustavo H. B. Franco, é divertido, elegante, conservador e inteligente. Por essas qualidades, deveria ser uma obra séria. Mas não é. No entanto, como se trata de um volume em que o paradoxo é um dos métodos mais eficientes, é exatamente pelo fato de não se prestar a ser uma obra séria que ele merece atenção. Em alguns terrenos, a fantasia e o humor podem ser o melhor caminho para a compreensão de questões que desafiam o bom senso. E não há campo mais pantanoso que a economia brasileira.

Gustavo Franco é professor de economia da PUC Rio, foi diretor do Banco Central entre 1993 e 1999 e um dos mentores do Plano Real. Sua competência técnica sempre fez par com a capacidade de trazer para o debate sem charme da economia intuições vindas da obra de romancistas e poetas. Enquanto lidava com números e política econômica, sempre arranjava tempo para estudar seus autores favoritos sob o prisma da ciência econômica, o que rendeu livros eruditos e criativos, como A economia em Machado de Assis, A economia em Pessoa e Shakespeare e a economia.

O novo livro pode parecer apenas uma reunião de boas sacadas, com objetivo de explicar o inexplicável, utilizando-se para isso de erudição, linguagem científica e paradoxos. Mas, na verdade, é muito mais que isso. Quem acompanhar as dezenas de leis, axiomas e corolários propostos por Franco certamente vai se sentir provocado a rever seus conceitos sobre a economia brasileira. O subtítulo do trabalho credita as duas principais inspirações do autor, os economistas Roberto Campos (ministro da Fazenda e maior ideólogo do ultraliberalismo no país) e Alexandre Kafka (representante brasileiro por mais de 30 anos no Fundo Monetário Internacional), que ficaram conhecidos entre seus pares pelo prazer em decodificar nossa economia por meio de um raciocínio ferino e afiado. 

Como explica Gustavo Franco no prefácio, em 1961 Campos já lançava a hipótese que defendia que “a economia brasileira não obedecia a nenhuma das leis conhecidas” e que por isso seria importante pesquisar normas secretas que dessem alguma racionalidade ao terreno. Não se tratava, frisa Gustavo Franco, de propor teorias alternativas, mas de exercitar um modo próprio, filosófico e criativo, que, nas palavras de Machado de Assis, seriam “mais que passatempo e menos do que apostolado”. Além da provocação da própria teoria econômica, que parece não funcionar no Brasil, há ainda o embate constante com críticos e analistas, sobretudo da esquerda, que sempre espicaçaram Franco. 

Cinema e arte 

O livro se divide em seis partes, com cada lei ou princípio seguido de comentários do autor, distribuindo alfinetadas para agentes econômicos, políticos e teóricos de todos os matizes, usando como argumentos de enredo de filmes de Hollywood à arte de Escher. A primeira é “O mercado – Racionalidade coletiva e indeterminação”, que abre o receituário explicativo de Franco com a primeira lei: “Princípio da convergência, o aplauso do mercado iguala todos os governantes”. Segue-se o princípio da eficiência ilusória e o axioma do Malan, que reza que o “futuro tem por ofício ser incerto”. A segunda parte reúne leis sobre “Autoridades e política econômica”, propondo um pequeno guia prático antropológico.

A terceira seção trata dos agentes reguladores e dos bancos, analisando a lógica pessoal, os limites e as regularidades do mercado; a quarta tem como tema a questão das decisões econômicas, entre as paixões interesses e burocracia; a quinta parte trata das finanças públicas (sonhos e ilusões nos domínios do público e do privado); e, por fim, são apresentadas as leis econômicas referentes à questão do câmbio, preços públicos e globalização. Ao todo, são 74 leis, algumas decorrentes da verve de Campos e Kafka e a maior parte delas da lavra do próprio Gustavo Franco.

 O leitor vai aprender, entre outras coisas, que em matéria de comportamento reservado à autoridade econômica é sempre melhor ficar calado e só falar quando se tiver certeza do resultado (Princípio de Kagemusha); que quando for impossível fugir da responsabilidade de se explicar, a autoridade deve ser sintética, afirmativa e evasiva, “como se entrevistada por jornalista japonês usando intérprete” (Axioma da inteligência a posteriori); e, sobretudo, que a “lei do fundamentalismo” não perdoa: tudo sempre pode ficar pior. Para os que gostam de usar a metáfora da jabuticaba para explicar nossa economia, Gustavo Franco oferece um pomar completo de singularidades. Mesmo para quem discorda, é um prato cheio. 

Trecho

“Embora não sendo criatura sua, o fato é que Lula aderiu à estabilidade como um estrangeiro naturalizado, de sotaque meio carregado, mas simpático e bonachão, dizendo-se ‘mais brasileiro’ do que nós, pois se tornou brasileiro ‘por escolha’. Não há nada a criticar na naturalização, pois o Brasil, assim como o bom senso, é nação hospitaleira, e a estabilidade é para ser de todos, um ‘bem público’, como definem os economistas: ninguém pode ser excluído de seu legítimo desfrute, inclusive os que, no passado não tão longínquo, militaram contra ela.”

AS LEIS SECRETAS DA ECONOMIA – REVISITANDO ROBERTO CAMPOS E AS LEIS DO KAFKA

De Gustavo H. B. Franco
Editora Zahar, 216 páginas, R$ 39,90

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