CRÍTICA ENSAIO
Incomparável extravagância de Cony vence o lugar-comum
Volume reúne textos do colunista da Folha sobre Charles Chaplin e Cervantes
Tratava-se de memorável iniciativa da revista "Manchete" na década de 1970, que contou com a colaboração, por exemplo, de Otto Maria Carpeaux, Raymundo Magalhães Jr. e Ruy Castro.
Em quatro tomos, esse trabalho coletivo de divulgação literária foi reeditado pela Record há alguns anos.
Para este volume, Cony selecionou artigos sobre Machado de Assis, Guimarães Rosa, Victor Hugo, Tomás de Aquino e vários outros, ao lado um estudo sobre Carlitos, que ocupa mais ou menos a metade de toda a coleção.
Escrever sobre figuras desse porte traz o risco do lugar-comum. Na época da publicação desses textos, Carlos Heitor Cony ainda refreava um pouco a própria e incomparável extravagância, que tanto cativa os leitores de suas crônicas na Folha hoje.
Seu ensaio sobre Charles Chaplin, para o "Jornal do Brasil", revela um autor preocupado em seguir, ainda que de longe, as convenções do trabalho acadêmico.
"Quem era Chaplin?", pergunta-se Cony. "Um simples cômico? Um filósofo primitivo? Um agitador social? Um comunista?"
O autor continua, com um formalismo que não nos habituamos a reconhecer em suas páginas: "propomos, neste ensaio, uma interpretação aproximativa: a análise do personagem, do mito e de seu processo, complementada por uma breve sinopse biográfica, filmografia comentada e tanto quanto possível atualizada".
TRÁGICO
Cony se desincumbe da tarefa com paciência e método. Felizmente para o leitor, entretanto, sua impaciência e seus caprichos logo se manifestam, e a comparação brilhante, a ideia súbita, o detalhe bizarro vencem a convencionalidade jornalística.
É assim que, comparando Carlitos a Dom Quixote, o autor sustenta que, de ambos, Carlitos é o mais trágico.
O personagem de Cervantes poderia enganar-se, pensando ser um frango assado o que nada mais era do que uma bota sobre a mesa. Logo a ilusão se desfaria, diz Cony, e Dom Quixote reconheceria que a bota não passava de uma bota.
Já no filme "Em Busca do Ouro", Carlitos bem sabe que a bota é uma bota -e "quer mesmo comer a bota, a fome e a miséria juntas não lhe dão outra alternativa".
A desilusão, ou melhor, o convívio com o absurdo, marcam a atitude de Cony.
A isso se soma o humor carioca, que o faz lembrar, por exemplo, que alguns autores atribuíram o declínio de Roma ao excesso de banho morno.
Humor, apenas? Talvez mais: a parte da loucura em Chaplin e Cervantes, ou em Fellini e Mark Twain, encontra em Cony alguém capaz de sentir vivamente o seu sabor.
CHAPLIN E OUTROS ENSAIOS
AUTOR Carlos Heitor Cony
EDITORA Topbooks
QUANTO R$ 41,90 (290 págs.)
AVALIAÇÃO bom
LIVROS
FICÇÃO
ROMANCEEstado de Graça
Ann Patchett
EDITORA Intrínseca
TRADUÇÃO Maria Carmelita Dias
QUANTO R$ 29,90 (304 págs.)
Uma equipe americana pesquisa na Amazônia um medicamento que promete solucionar os problemas de fertilidade das mulheres. Depois que um dos cientistas morre misteriosamente, Marina Singh é enviada ao Brasil com a missão de descobrir os segredos que envolvem o trabalho. Será o início de uma jornada que mescla ciência e terror. Patchett venceu em 2002 o Orange Prize, um dos principais prêmios britânicos.
ROMANCE
O Último Tiro
Lee Child
EDITORA Bertrand Brasil
TRADUÇÃO Leo Oliveira
QUANTO R$ 49 (406 págs.)
Escondido em um edifício, um atirador mata cinco pessoas na praça de uma pequena cidade. James Barr, um veterano da Guerra do Golfo, é apontado como o principal suspeito do crime. Para tentar provar sua inocência, Barr pedirá ajuda a Jack Reacher, ex-policial do Exército. O romance de Lee Child inspirou o filme "Jack Reacher", com estreia prevista para a próxima sexta, no qual Tom Cruise interpreta o papel título.
NÃO FICÇÃO
TELEVISÃOA Crença no Mérito e a Desigualdade
Veneza V. Mayora Ronsini
EDITORA Sulina
QUANTO R$ 40 (336 págs.)
O trabalho estuda a representação da pobreza e dos dilemas sociais nas telenovelas e as maneiras como isso é assimilado pelo público. Como exemplo, o livro analisa novelas como "Páginas da Vida" (2006/2007), "Paraíso Tropical" (2007), "Duas Caras" (2007/2008), "A Favorita" (2008/2009) e "Caminho das Índias" (2009). A autora é professora do programa de pós-graduação na Universidade Federal de Santa Maria (RS).
HISTÓRIA
História dos Mercenários
Walter Bruyère-Ostells
EDITORA Contexto
TRADUÇÃO Patrícia Reuillard
QUANTO R$ 47 (240 págs.)
Revê o papel dos mercenários, soldados que lutam em troca de remuneração, para a formação da ideia de um Estado europeu. O volume também retrata a atuação dos mercenários no processo de independência da América e em conflitos recentes -por exemplo, a Guerra do Iraque. O autor, especialista em história militar, avalia que o mercado das empresas militares privadas movimenta cerca de US$ 100 bilhões por ano.
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