sábado, 5 de janeiro de 2013

Ainda a cracolândia - Editoriais FolhaSP

FOLHA DE SÃO PAULO

Ainda a cracolândia
Poucas drogas são tão perversas quanto o crack. Uma vez consumida, a substância chega ao cérebro em seis a oito segundos, contra três a cinco minutos da cocaína em pó. O usuário pode tornar-se dependente com apenas algumas doses, e os sintomas da abstinência aparecem minutos após o uso.
Tais características do crack explicam por que é tão difícil para o usuário escapar da droga. Em certo sentido, também ajudam a explicar a persistência da cracolândia, ferida há duas décadas aberta no centro de São Paulo.
Nada justifica, porém, que a prefeitura e o governo do Estado tenham sido incapazes, ao longo de tantos mandatos, de conceber um plano capaz de dar conta desse desafio, por complexo que ele seja.
Talvez o que venha faltando seja reconhecer a complexidade do problema. Uma visão simplista levou o ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD) a anunciar o fim da cracolândia em 2008. No mesmo erro incorreu Eloisa Arruda, secretária da Justiça do Estado de São Paulo, que, em janeiro passado, disse: "a cracolândia já acabou".
A afirmação da secretária foi feita menos de um mês depois de o governo e a prefeitura terem iniciado uma intervenção na região. Com ênfase na ação policial, a iniciativa deixou como resultados mais visíveis alguns episódios de violência e a dispersão de parte dos dependentes pelos bairros vizinhos.
Um ano após ter sido deflagrada aquela operação, a cracolândia continua um cenário desolador, em que pesem os avanços obtidos. Reportagem desta Folha mostrou anteontem que o tráfico de drogas persiste na região, a despeito da presença da Polícia Militar.
Em resposta, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) afirmou que vai facilitar a internação à força de dependentes graves de drogas.
Trata-se de mais uma abordagem simplificadora do problema. Internações forçadas apenas afastam o viciado da droga por um certo período. Não são mais que paliativos. Além disso, enquanto não oferecem riscos, adultos devem ter sua liberdade individual preservada e respeitada pelo Estado.
Tratamentos à revelia, nos termos da lei, são cabíveis somente em último caso e para situações particulares -quando o indivíduo perde a capacidade de decidir-, nunca como resposta governamental a uma circunstância complexa.
O poder público, nas três esferas, deve criar uma rede de proteção para incentivar o usuário a não retomar o vício, articulando ações de saúde e assistência social. O enfoque policial deve e precisa existir, mas para o traficante de droga.

    EDITORIAIS
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    Descrédito
    Maquiagem da poupança fiscal no fim do ano mina ainda mais a confiança na política econômica da presidente Dilma Rousseff
    O governo Dilma Rousseff coloca sob risco um patrimônio da política econômica brasileira conquistado a duras penas ao longo de quase duas décadas. Trata-se da confiança dos agentes privados nas ações e nos compromissos assumidos pelas autoridades.
    A manobra contábil, nos últimos dias de 2012, para maquiar o fiasco na meta de poupança pública -o chamado superavit primário- é decerto o golpe mais ostensivo na credibilidade do governo. Coroa uma série de atitudes voluntariosas que puseram em segundo plano a perseguição de objetivos centrais da política econômica.
    O superavit primário deveria ser algo simples de entender e atingir. O setor público compromete-se a gastar uma quantia a menos do que arrecada de impostos. Contabilizam-se os desembolsos em ações típicas do Estado -pagar a servidores, fornecedores, aposentados, beneficiários de programas sociais etc. Ficam de fora, numa conta à parte, as despesas com juros. Com isso, garante-se que o endividamento público fique sob controle.
    Em 2012 os governos federal, estaduais e municipais obrigaram-se a economizar juntos o equivalente a 3,1% do PIB, quase R$ 140 bilhões. Em anos ruins, a administração federal pode acionar o recurso, previsto na regra geral, de subtrair dessa conta desembolsos com o Programa de Aceleração do Crescimento. Abatidos esses gastos, a meta cairia para 2,3% do PIB.
    Mesmo assim, fechada a conta de novembro, a poupança ao longo do ano, de 1,9% do PIB, não cumpria o objetivo. Então o governo federal deslanchou em dezembro uma operação meramente contábil para alcançar os R$ 19 bilhões restantes e dissimular o fracasso.
    Forçou Caixa Econômica Federal e BNDES a pagarem R$ 7 bilhões em dividendos ao Tesouro. Num só mês, esses dois bancos estatais enviaram à Fazenda o equivalente a 35% de todos os dividendos transferidos nos outros 11 meses.
    Além disso, transferiram-se para o Tesouro R$ 12,4 bilhões do Fundo Fiscal de Investimento e Estabilização -instrumento criado em 2008 que serviu, na prática, para financiar a Petrobras com dinheiro do contribuinte.
    Tanta criatividade contábil, embutida numa teia de decretos feitos para não criar alarde, foi inútil para o objetivo original do superavit primário -economizar despesa do governo. O setor público não poupou um tostão com isso.
    A incapacidade de controlar os gastos de acordo com o pactuado na lei orçamentária já seria um fator de desgaste para a confiança no governo. Mas a tentativa de enganar o público com toscos malabarismos fiscais vai cobrar um preço ainda mais elevado.

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