terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Maria Esther Maciel - Marías e Marias‏


Estado de Minas: 15/01/2013 
Em dezembro, uma leitora chamada Maria Helena pediu-me que escrevesse uma crônica com sugestões de livros para ler nas férias. Ela queria indicações de “romances agradáveis, bem escritos e inteligentes”, pois estava cansada dos “best-sellers imbecis que estão por aí”. Respondi-lhe que tentaria escrever a crônica em janeiro, pois já estava com outros temas engatilhados para as três semanas seguintes. Os dias voaram, desde então, e agora vejo que já estamos no meio do mês e as férias acabam em duas semanas. Mas creio que ainda há tempo para a leitura de, pelo menos, um bom romance. 

Minha sugestão é Os enamoramentos, do escritor espanhol Javier Marías, publicado no Brasil em 2012. Confesso que há muito tempo não me sentia tão capturada por um livro, como aconteceu com esse. Um livro de 343 páginas, capaz de entreter e, ao mesmo tempo, provocar reflexões sobre a vida, a morte e as relações humanas. Recebi meu exemplar, acompanhado de uma novela de Balzac (que tem a ver com o romance de Marías), da minha editora e amiga Maria Emília Bender, da Companhia das Letras. E, para o meu deleite, ao começar a lê-lo, vi que a história era narrada, em primeira pessoa, por uma personagem também chamada Maria (no caso, Maria Dolz), editora de livros em Madri.

Pouquíssimos escritores homens se aventuram a adotar uma voz feminina em primeira pessoa na narração de um romance. Javier Marías não só se arriscou a isso, como também conseguiu fazê-lo de maneira habilidosa, para não dizer admirável. Maria, como narradora, é muito convincente. Se, num primeiro momento, a impressão que se tem é que ela narra tudo de longe, como uma mera observadora de cenas e acontecimentos, a certa altura, porém, tal impressão desaparece, visto que Maria vai, aos poucos, revelando seu próprio envolvimento com a trama e os personagens. Torna-se, assim, uma peça-chave dentro do jogo. Um jogo, aliás, no qual os fatos importam menos do que as ideias e sensações que nos provocam. 

Não vou contar aqui o que acontece com os personagens Maria, Javier, Dasver e Luísa. Só digo que o romance é sobre o amor e toda a complexa rede de sentimentos contraditórios que o envolve. É também um romance de suspense, que trata de um crime terrível e embaralha os supostos motivos e circunstâncias que o teriam causado. É, sobretudo, um romance que vasculha as zonas de luz e sombras da alma humana, misturando estrategicamente as noções de verdade e mentira, realidade e ficção. E é, ainda, um romance sobre nossa difícil relação com a morte e os mortos. 

Javier Marías, com sua surpreendente Maria, entrou de vez para o rol de meus escritores contemporâneos preferidos. Foi um belo presente de Maria Emília, que agora repasso, como sugestão de férias, à minha leitora Maria Helena. E olhem que também tenho Maria no nome. Como se vê, o plural no sobrenome do autor faz, aqui, todo o sentido.

P.S.: Se sobrar algum tempo, vale a pena ler também os romances brasileiros Diário da queda, de Michel Laub, e A vendedora de fósforos, de Adriana Lunardi, ambos excelentes. Já no meu resto de férias, tentarei terminar mais um de Javier Marías, Coração tão branco, e começar O retorno, da portuguesa Dulce Maria Cardoso.

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