O risco dos privilégios
Reformar os apartamentos funcionais é desaforo com a população que paga impostos porque trabalha
O mundo todo já vive uma era de desmoralização dos privilégios. E, no caso, desmoralização é sinônimo de uma linha que começa pela percepção, passa à repulsa, em seguida à perda dos receios e da tolerância. Primavera árabe? É isso. Grande parte do terrorismo contra poderes dominantes -é isso.
Há três meses, a Câmara se concedeu o privilégio de ter atividade propriamente parlamentar, ou a sua aparência melhorada, em apenas um dia na semana. Criou assim o privilégio do privilégio; este, o que permitia aos deputados chegar a Brasília na terça, para a sessão da tarde, e cair fora na quinta.
Para uma noite em Brasília -vá lá, eventualmente duas- reformar os 463 apartamentos e modernizar-lhes os equipamentos domésticos é, para dizer o menos, desaforo com a população que paga impostos porque trabalha.
E exploração desumana dos que sofrem as consequências de falta de emprego, falta de moradia menos humilhante, falta de atendimento à saúde -e excesso de tolerância.
Seja de R$ 280 milhões ou de R$ 680 milhões, o montante do gasto não altera a dimensão da imoralidade. E não há um só partido que se tenha levantado contra. Retrato ainda melhor: não consta haver, entre os 513 deputados, um só que adotasse alguma atitude contra o mal uso do dinheiro público.
No Senado, tivemos senadores recebendo cerca de meio milhão para cobertura de pequenos gastos no correr do ano.
Quem não chegou a tanto, com as mínimas exceções de sempre, ficou em outros centenas de milhares. Um dos tantos privilégios que só os parlamentares do Brasil têm. E que um dia terão de acabar, como e quando não se sabe.
DIZERES
É inútil por muitos motivos o esforço de políticos e jornalistas para descobrir quem no PMDB está atirando pelas costas no peemedebista Henrique Eduardo Alves, com as informações que comprometem moralmente sua candidatura à presidência da Câmara.
A inutilidade começa no fato vulgar de que os dois principais suspeitos, Geddel Vieira Lima e Eduardo Cunha, e a vítima (que deveria ser réu) já se davam tiros pelas costas como se dessem bom-dia -que, aliás, não se dão.
Além disso, as denúncias de que Henrique Alves manobra com dinheiro do Orçamento para dá-lo a auxiliares seus, incluído o método do laranjismo, até fortalecem sua candidatura.
Na concepção aparentemente majoritária do exercício parlamentar, manobras imorais com o dinheiro do Orçamento são credenciais, e não fatores depreciativos. São de interesse de toda a raia miúda e inúmeros na raia graúda.
O único efeito possível sobre a candidatura de Henrique Alves depende da atitude de Dilma Rousseff, preservando apesar de tudo ou retirando-lhe o apoio do governo. "Nenhuma complacência com a corrupção", tem dito a presidente. Dito.
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