Paloma Oliveto
Estado de Minas: 28/02/2013
Billy Joe trabalhou duro até os 15 anos de idade, entretendo crianças em festas de aniversário. Apesar da exploração, cresceu livre, entre humanos, e apegou-se aos donos. Depois de tanto tempo de dedicação, contudo, foi vendido a um laboratório. O chimpanzé dócil e amigável deu lugar a um animal agressivo, ansioso, medroso. Deixado sozinho em uma jaula apertada, ele tinha repetidos ataques convulsivos e, em seguida, podia ficar horas na mesma posição, olhando para o nada. A libertação de Billy ocorreu apenas 14 anos depois, quando ele foi morar em um santuário. Mesmo cercado de carinho e atenção, o chimpanzé exibia um comportamento típico de quem sofre de estresse pós-traumático.
Tão parecidos com o homem, seu parente mais próximo na natureza, os grandes primatas também são vítimas de problemas mentais, como depressão, ansiedade, distúrbios alimentares e automutilação. Durante uma crise, Billy extirpou com os dentes o próprio dedo indicador. O comportamento do chimpanzé era tão extremo que, em 2009, ele ilustrou um artigo publicado na Developmental Psychology, a revista da Associação Americana de Psicologia. O caso do animal, porém, não é único. Billy junta-se a Lira, uma fêmea que passou a arrancar os pelos do corpo ao ser confinada, sozinha, em uma sala; a Bobby, o macho separado da mãe quando nasceu e que passou a vida provocando feridas em todo o corpo; a Nuri, um chimpanzé deprimido, que evitava companhia; e a tantos outros primatas usados como cobaias.
Em uma mesa-redonda durante o encontro anual da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS), na semana passada, psiquiatras e especialistas em cognição animal alertaram para a necessidade de estudar mais as doenças mentais desenvolvidas pelos grandes primatas, principalmente para buscar uma forma eficaz de tratamento. “É preciso expandir os estudos sobre as psicopatologias desses animais, o que requer uma abordagem interdisciplinar, com profissionais das áreas da psiquiatria e da primatologia”, adverte Martin Bruene, professor do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Ruhr, na Alemanha. “Há poucas pesquisas que investigam como aliviar o comportamento anormal de primatas cativos, mas há indicativos de que o enriquecimento ambiental e o condicionamento behaviorista podem aliviar esses sintomas. Também pouco se fala sobre o uso de medicamentos para animais com problemas psíquicos severos, embora alguns experimentos tenham mostrado que eles podem ser úteis”, afirma.
Parecidos Para Bruene, contudo, a melhor solução é banir de vez os primatas de estudos biomédicos. “Eles têm uma mente tão parecida com a nossa que, do ponto de vista ético o ideal é abolir esse tipo de pesquisa”, defende. No início do ano, os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NIH, na sigla em inglês) anunciaram que não vão mais financiar experimentos médicos com chimpanzés, seguindo o exemplo da União Europeia, da Austrália e do Japão, que recentemente proibiram estudos com grandes primatas não humanos. No Brasil, eles também não são usados em pesquisas, embora os macacos ainda sejam cobaias, principalmente nos experimentos sobre malária e outras doenças tropicais. A justificativa dos NIH foi que os chimpanzés são desnecessários para o avanço da medicina. O órgão de saúde, contudo, vai permitir que esses animais continuem sendo alvo de investigações sobre hepatites.
O fim do uso de primatas em pesquisas invasivas é uma das bandeiras do Comitê de Médicos pela Medicina Responsável (PCRM, sigla em inglês), organização não governamental dos Estados Unidos que participou da discussão no encontro da Academia Americana de Ciência. “A semelhança dos chimpanzés conosco não é simplesmente física, mas também social e psicológica. Existem muitas evidências dos efeitos maléficos do cativeiro para a saúde mental e o bem-estar dos primatas, que sofrem de distúrbios comportamentais, apatia e depressão maior, entre outras anomalias. Nenhuma dessas condições existem entre eles na vida selvagem”, afirma Neal D. Barnard, integrante do PCRM e professor da Faculdade de Medicina e Ciências da Saúde da Universidade de George Washington.
De acordo com ele, embora no ambiente natural os primatas possam exibir características como agressividade, apenas aqueles usados em experiências de laboratórios ou que foram vítimas de exploração comercial e abandono sofrem de psicopatologias semelhantes às dos humanos. Isso ocorre porque, no cativeiro, além de passar por traumas físicos — Billy Joe, por exemplo, foi submetido a 40 biópsias de fígado —, eles são privados do convívio com outros membros do grupo. “Primatas são animais sociais, eles precisam de interação constante. Ficar isolados em gaiolas não é algo típico da vida selvagem, por isso esses distúrbios não se desenvolvem naturalmente”, alega Barnard. “Ficar perto dos outros é extremamente importante para a vida mental. Quando vão para o cativeiro, os primatas são separados de suas mães, ficam em solitárias; enfim, desde cedo, são privados de um relacionamento social normal, o que terá implicações para o resto de suas vidas”, concorda Martin Bruene.
Zoológicos O pesquisador alemão, contudo, diz que não é contra outros ambientes controlados, como zoológicos, nos quais os animais podem conviver com os demais, em recintos que reproduzem a vida selvagem. “Se formos pensar que os primatas não podem ficar em zoológicos, então temos de estender isso para nossos animais de estimação e devolver nossos gatos e cachorros à natureza. A questão não é essa. O importante é discutir como esses animais estão sendo tratados, e nós sabemos que o tratamento recebido pelos grandes primatas em laboratórios ou locais de exploração comercial, como circos, que extraem todos os dentes deles, por exemplo, é extremamente maléfico”, afirma.
O presidente da Sociedade Internacional de Primatologia, Tetsuro Matsuzawa, pesquisador da Universidade de Kyoto, afirma que, quando o tratamento é digno, os grandes primatas gostam de interagir com seus primos próximos, os humanos. Matsuzawa usa como exemplo o Instituto de Pesquisa em Primatologia da universidade, onde são feitas pesquisas cognitivas com 14 chimpanzés. No local, os animais passeiam livremente pelas salas e, quando se cansam dos testes de inteligência, simplesmente usam cordas para ir embora. O telhado da instituição, um ambiente que reproduz a vida selvagem africana, com muitas árvores e plantas, contrasta com os arranha-céus da cidade japonesa. “Eles vêm fazer os testes por vontade própria”, garante Matsuzawa.
Para provar, o pesquisador exibiu, no encontro da AAAS, um vídeo no qual a chimpanzé Ayumu e seu filho Ai se divertem em um teste de memória numérica executado em um computador. “Essa é uma habilidade incrível, eles são melhores nisso do que qualquer ser humano. Depois, quando não querem mais brincar, eles simplesmente vão embora. Mas sempre voltam no dia seguinte”, diz.
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