quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Rogério Gentile, Eliane Cantanhêde, Paula Cesarino Costa

folha de são paulo


ROGÉRIO GENTILE
Números torturados
SÃO PAULO - O governo de São Paulo brinca com os números da violência da mesma forma que um garoto que não sabe perder. Jamais erra um chute. Os outros é que não enxergam a bola entrar no gol.
A Secretaria da Segurança Pública divulgou uma série de dados na sua página na internet segundo os quais a violência arrefeceu no mês de janeiro: "Homicídios caem 21% em janeiro", "Capital tem redução de 37,17% nos homicídios dolosos" e assim vai, sempre de modo a enaltecer o sucesso obtido pela administração.
Tais dados foram replicados em dezenas de sites, rádios e em jornais do interior, o que contribui positivamente para a imagem do governador Alckmin, candidato à reeleição. Mas a história não é bem essa.
Ao contrário do que disse o governo, o número de assassinatos aumentou em janeiro, seguindo uma tendência de alta que se observa desde agosto. Houve 416 casos de homicídio no Estado, com 455 vítimas, contra 356 casos em janeiro de 2012, com 386 mortos. O mesmo ocorreu com outros 13 tipos de crime.
O problema é que, para obter os números favoráveis, a secretaria rasgou seu próprio manual de estatística. Em vez de comparar os dados de janeiro com os do mesmo mês de 2012, optou por cotejá-los com os de dezembro, o que é bem capcioso.
Nas páginas 5 e 6 de seu "Manual de Interpretação" de estatísticas, a secretaria diz que os índices criminais estão sujeitos à sazonalidade. "Existem diversas situações e fatores ligados ao calendário anual que explicam por que a criminalidade sobe ou desce, sistematicamente, em certos momentos", diz o texto, citando exemplos como férias escolares, estações do ano etc. A recomendação é que a comparação seja feita com base "em períodos equivalentes de tempo": 1º semestre com 1º semestre, janeiro com janeiro etc.
Não será com a calculadora na mão, torturando números, que o governo vai conseguir atenuar a violência em São Paulo.



    ELIANE CANTANHÊDE
    No grito
    BRASÍLIA - Os articuladores e manifestantes do movimento "Fora, Renan!", com milhares de assinaturas na internet, miraram no que viram e acertam no que não viram.
    A intenção era, primeiro, impedir a posse de Renan Calheiros na presidência do Senado, criando constrangimento para a de Henrique Alves na da Câmara. Depois, minar as "condições de governabilidade" sobretudo de Renan, mais conhecido da plateia e mais emblemático.
    Não deu certo, mas obriga os presidentes do Senado e da Câmara a se esfalfarem para dar respostas à pressão e mostrar que são melhores do que parecem. Há nisso, obviamente, um forte lado marqueteiro. Mas há também efeitos práticos.
    Renan promete reduzir cargos comissionados e transformar o serviço médico do Senado em posto de emergência, despachando os médicos para o SUS. Se vai ter força para fazer, não se sabe. Mas a promessa é boa.
    E Henrique reuniu os líderes, num dia, e colocou para votar, no outro, o fim do 14º e do 15º salários de Suas Excelências. Em vez de dois salários a mais em todos os quatro (ou oito anos) de mandato, vão passar a ter direito a um a mais só em dois anos, o de chegada e o de saída (mesmo os que, reeleitos, saem sem sair).
    A excrescência significava cerca de R$ 54 mil a mais para cada parlamentar e de R$ 30 milhões a menos para os cofres públicos por ano. Como foi criada em 1946 -há quase 70 anos, portanto-, não era nada simples acabar com ela. Só mesmo por forte pressão da sociedade.
    Como, aliás, ocorreu com o descalabro do Tribunal de Contas do DF, que tenta aumentar de 43,53% a 65% os salários de seus funcionários. A medida, vetada pelo governo do DF e aprovada pela Câmara Distrital, acaba de ser suspensa por liminar do Tribunal de Justiça. Depois, claro, de parar na imprensa.
    Moral da história: resistir, pressionar e gritar é preciso, sempre e cada vez mais. A luta continua!


    PAULA CESARINO COSTA
    448 anos para preservar
    RIO DE JANEIRO - Se a natureza deu ao Rio uma beleza rara e incomparável, foram os homens que criaram, em momentos de loucura ou de genialidade, algumas das principais riquezas desta cidade maravilhosa. O Jardim Botânico, a floresta da Tijuca, o aterro do Flamengo, os traçados de grandes avenidas e as favelas encarapitadas nos morros. Entre pistas e palmeiras, o parque do aterro é um espaço único de onde se vê a baía de Guanabara, a silhueta de Niterói, o Pão de Açúcar, o Outeiro da Glória, o Cristo.
    Em seus 448 anos, que se completam amanhã, o Rio se transformou: morros colocados abaixo, áreas imensas aterradas, obras arquitetônicas erguidas e demolidas, árvores destruídas, pessoas removidas.
    É difícil imaginar, hoje, que o morro de Santo Antonio virasse -por questões sanitárias, urbanísticas ou só por especulação- uma área plana e sua terra fosse usada para levar para longe o mar sem resistência.
    Idealizado por Lota de Macedo Soares, que convenceu o governador Carlos Lacerda e reuniu o arquiteto Affonso Eduardo Reidy e o paisagista Roberto Burle Marx, o parque foi tombado pelo Iphan em 1965, antes mesmo de ser inaugurado -a pedido de Lota, que temia a "ganância" e a "leviandade dos poderes públicos".
    Eike Batista tem plano para "revitalizar" a Marina da Glória. O Iphan aprovou seu anteprojeto, que prevê edificação de 15 m de altura. Diz que constava no projeto do parque, feito por Reidy, para abrigar um aquário.
    O aterro é um precioso exemplo de harmonia, já quebrada pela construção de um teatro ao lado do MAM, um dos mais belos exemplares da arquitetura modernista. Usou-se o mesmo argumento de que existia no projeto original. Ao ser construído, o teatro distorceu volumes a um nível absurdo e provou como o original pode ser modernamente deturpado.Que o Rio receba, de presente de aniversário, a contenção da leviandade.


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