Estreia Colegas, filme brasileiro
protagonizado por três portadores de síndrome de Down. A premiada
comédia dribla o pieguismo e aposta no humor para enfrentar o
preconceito
Walter Sebastião
Estado de Minas: 28/02/2013
No
material de divulgação para festivais internacionais, o filme Colegas,
do diretor Marcelo Galvão, tem sido apresentado como a nova surpresa do
cinema brasileiro. É verdade. Essa comédia sarcástica sobre o
preconceito mostra a aventura de três jovens, confinados em uma
instituição para portadores de síndrome de Down, que fogem para conhecer
o mundo. O trio apronta todas ao som de Raul Seixas.
Os
protagonistas entendem do assunto: Ariel Goldenberg, de 31 anos, Rita
Pokk, de 32, e Breno Viola, de 31, têm síndrome de Down. “Fiz um filme
sobre sonhos. Eles são mais fáceis de realizar do que a gente imagina. O
que Ariel Goldenberg conseguiu na vida mostra isso”, afirma o cineasta
Marcelo Galvão. Colegas estreia amanhã em cinco salas de BH.
A
comédia diverte e emociona. “Depois de cinco minutos, todos se esquecem
de que os atores têm síndrome de Down, passam a torcer pelos personagens
e entendem o ponto de vista deles ”, garante Marcelo Galvão. Ele se
propôs a fazer um road movie sobre a liberdade – o blockbuster Forrest
Gump foi uma de suas inspirações –, com imagens grandiosas de lugares
amplos.
“A síndrome é parte da vida dos atores, mas abordei isso
de forma jocosa, sem ser politicamente correto”, pondera o cineasta. O
filme, de fato, nada tem de piegas. “Em Colegas, deficientes são os
policiais que não conseguem pegar a trinca de garotos”, ressalta o
diretor, que buscou captar a energia dos portadores de Down. Inclusive
do tio de Marcelo Galvão, a quem o longa é dedicado. “Adorava o modo
como ele via o mundo. Divertido e engraçado, tinha um coração
gigantesco”, recorda o sobrinho.
Ariel Goldenberg, Rita Pokk e
Breno Viola foram selecionados depois de entrevistas com cerca de 300
garotos. Agora, Marcelo Galvão planeja rodar um seriado para aproveitar
parte dessa moçada. O cineasta diz que o talento do trio para o lúdico
ajudou Colegas, mas ressalta que as dificuldades dos atores, com a fala,
estão na tela. Entretanto, isso não representou problema. “Você
explicava como é o personagem e, em segundos, eles já eram o que se
pediu”.
Foi preciso até “segurar” a turma de atores. “Senão o
balão subia demais”, conta Marcelo Galvão. “O mais importante tem sido a
boa acolhida do público, de todos os lugares e idades. Colegas vem
sendo aplaudido em cena aberta”, comemora ele. Ariel trabalhou na novela
Jamais te esquecerei (SBT), no seriado Carga pesada (Rede Globo) e em
peças de teatro. Rita atuou na mesma novela e em espetáculos teatrais.
Breno também é faixa preta de judô e coordenador do site Movimento Down.
Edital Aos 39 anos, Galvão assinou cinco
longas. Colegas foi o primeiro a ganhar exibição comercial. “Não filmo
com muito dinheiro, não tenho a Globo Filmes por trás de meus trabalhos e
nem faço campanhas grandes. A repercussão desse longa se deve a muita
gente bacana comprou a ideia. Dá para fazer cinema sem ficar esperando
edital ou ganhar o Sundance”, diz o diretor, citando o aclamado festival
norte-americano dedicado à produção alternativa.
“Essencial é o foco. Colegas é meu TCC”, conclui Marcelo Galvão, referindo-se aos trabalhos de conclusão de curso.
• Premiações
» Festival de Gramado 2012
Melhor filme, direção de arte e prêmio especial do júri
» Mostra de São Paulo
Troféu Juventude (com voto de estudantes)
» Festival de Moscou
Melhor filme
» Festival de Trieste
Melhor filme/mostra latino-americana, prêmio do público
Vem, Sean!
Um pequeno e simpático vídeo ligado a Colegas – a
hashtag #vemseanpenn – vem provocando alvoroço na internet. Ariel
Goldenberg surge contando que seu ídolo é o norte-americano Sean Penn (foto)
e convida o astro americano para para a estreia do filme brasileiro. Em
Uma lição de amor (2001), o ator fez o papel de um portador de
deficiência mental que luta para criar a própria filha.
Tudo
começou quando Ariel comprou passagem para os EUA, disposto a fazer o
convite pessoalmente a Penn, mas não conseguiu que o visto de entrada no
país fosse emitido a tempo. “Nunca imaginamos conseguir 150 mil
visualizações nas primeiras 24 horas, entrar para os trending topics do
Twitter no Brasil e que o vídeo se tornasse fenômeno de
compartilhamentos no Facebook, com a adesão de Juliana Paes, Neymar,
Fernando Henrique, Aécio Neves, Rogério Flausino, Bruno Garcia e Falcão,
entre outros”, comenta o cineasta Marcelo Galvão. A missão parece
impossível, mas Sean Penn é esperado para a estreia brasileira de
Colegas. “Temos a esperança de que ele venha. Se não vier, dá para levar
Ariel até lá para conhecê-lo”, diz o diretor.
Boa surpresa
A recente
cinematografia nacional tem obras notáveis, mas, na maioria dos casos,
introvertidas, intimistas e autorreferenciais. Isso acaba limitando a
apresentação mais comunicativa de novas questões trazidas pela vida
contemporânea e, especialmente, a compreensão ampliada de pesquisas
formais de grande valor estético. Desafio posto é o entendimento de que a
produção independente, de onde vem a renovação do cinema brasileiro,
não significa, necessariamente, filmes ensimesmados.
A primeira
boa surpresa de Colegas vem exatamente do fato de ser obra independente,
mas destoando do tom dominante. É um filme solar, engraçado e
extrovertido – original na forma e no conteúdo. De um lado, mistura sem
pudor o cult e o pop, assim como vários gêneros. De outro, ao abordar a
condição Down, toca em um tema que resiste à discussão: a falta de
conhecimento e de educação, fonte de grosserias na comunicação
interpessoal.
Tudo é ótimo em Colegas – roteiro, diálogos,
fotografia, trilha, atores e montagem. Pode-se observar perda de ritmo
ao fim da trama, mas ela é movida por imagens tão boas que nem dá para
reclamar. Trata-se de um filme de muitas estrelas. Merece destaque o
talento de Marcelo Galvão, que escreve, monta, dirige e produz os
próprios trabalhos, exibindo linguagem cinematográfica diferente e
ousada. Também chama a atenção a enorme habilidade do diretor para
driblar todas as armadilhas postas a produções como Colegas. (WS)
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