Você pensa em uma pessoa que não vê há tempos e ela liga para você no mesmo dia ou semana; chega ao cinema e descobre que sua melhor amiga escolheu roupas quase idênticas às suas.
Você pensa quão triste ficaria se seu canarinho morresse e, horas depois, ele está morto, patinhas para cima. E você acha que foi culpa sua --o matou com seu pensamento, assim como "chamou mentalmente" a pessoa que não via há tempos e enviou sinais telepáticos para sua amiga.
Mas tudo não passa de mera coincidência. Essas associações aparentes são exemplos daquelas coincidências que, dado tempo e oportunidades suficientes, vão acontecer por uma simples questão de estatística.
Pense em todas as outras vezes em que você se lembrou de alguém, encontrou sua amiga ou contemplou a morte eventual de seu bichinho (ele vai morrer cedo ou tarde e provavelmente antes de você; e, quanto mais gostar dele, mais aventará a possibilidade da sua morte naquele dia) --e nada aconteceu. Foi só coincidência.
E, no entanto, não só registramos o fato como especial como ainda assumimos agência sobre ele, criando uma relação de causa e efeito: algo aconteceu porque você pensou ou fez alguma coisa em particular. Você, com suas ações ou pensamentos, foi o agente daquela coincidência.
Por que damos tanto valor ao que é apenas estatisticamente esperado que aconteça de vez em quando por pura... coincidência?
Justamente porque são eventos associáveis.
É assim que o aprendizado acontece: conforme o cérebro associa eventos, sejam eles dois fatos (Brasil, capital: Brasília) ou uma ação e um fato (tocar este botão acende a luz do teto; pensar assim faz meu dedo chegar à boca ou a sobrancelha esquerda levantar). Essas últimas associações são especialmente notáveis, pois são as que nos situam como agentes no mundo e, possivelmente, formam a base da autoconsciência.
Se seu corpo se move e seu cérebro encontra nele os mesmo sinais de preparação da ação associados, ele conclui que ele (você) foi o agente daquele movimento.
Da mesma forma, se algo acontece no seu corpo ou ao seu redor que pode ser associado temporalmente a um estado mental particular seu, você também foi o agente daquele movimento --é a conclusão automática à qual seu cérebro chega. Mesmo que tenha sido mera coincidência...
Suzana Herculano-Houzel, carioca, é neurocientista treinada nos Estados Unidos, França e Alemanha, e professora da UFRJ. Escreve às terças, a cada duas semanas, na versão impressa de "Equilíbrio".
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