sábado, 16 de março de 2013

Editoriais FolhaSP

folha de são paulo

Sem condições
Tumulto e protestos tomaram a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados nesta semana. Dificilmente poderia ser outra a situação, com o pastor Marco Feliciano (PSC-SP) na presidência de debates sobre temas como a homofobia, o racismo e a violência policial.
Procura-se evitar, nesta Folha, a expressão de julgamentos que tendam a personalizar o debate político. É inegável, todavia, que o nome de Marco Feliciano se comprova inadequado para a função.
O deputado se notabilizou por afirmar que "africanos descendem de ancestral amaldiçoado por Noé", o que seria "um fato". Considera também que, depois da união civil entre homossexuais, virá a extinção das palavras "pai" e "mãe".
Ao tomar posse na comissão, leu carta em que pede "humildes desculpas" pelos disparates que pronunciou. Solicitou um "voto de confiança" da opinião pública e de seus colegas.
A questão não se resume, entretanto, a um voto de confiança pessoal. Confiança, em política, é algo que se constrói, não um favor de conveniência ao interessado.
Não se trata, tampouco, de desejar unanimidade nos trabalhos parlamentares. Sem dúvida, muitos cidadãos brasileiros e parte expressiva de seus representantes são contra a união civil homossexual.
Política, entretanto, implica diálogo e mediação. As declarações de Marco Feliciano não se pautam pela civilidade, nem mesmo por um mínimo cabedal de instrução.
Alguém que propugna a crença na "maldição de Cam", num país de população mestiça, coloca-se num plano muito abaixo da "opinião divergente". Em trânsito entre o bizarro e o sectário, Marco Feliciano não terá condições de levar adiante os trabalhos da comissão -que inevitavelmente se converte em palco de protestos e insultos.
Não são apenas os direitos das minorias que perdem. O próprio diálogo e a política se inviabilizam.
Ou melhor, a política no sentido mais elevado. Não a dos guichês, dos favores e das barganhas, que levou o inexpressivo PSC a abiscoitar a presidência da comissão.
Nesse jogo, vale tudo. Um cargo supostamente desimportante se reserva a uma legenda menor da base de apoio ao governo federal. Mesmo que a política do Planalto, no assunto em tela, pareça tão avessa aos despautérios de Feliciano.
É a irracionalidade política a serviço da intolerância; a fisiologia a serviço do fundamentalismo.


    EDITORIAIS
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    Números incômodos
    Governo brasileiro pode se abespinhar com defasagem da metodologia do IDH, mas faria melhor em recuperar o ímpeto para as reformas
    A divulgação de listas classificatórias e comparações internacionais sempre causa controvérsias. A necessidade de simplificar para cotejar impõe limitações a qualquer metodologia. Não poderia ser diferente com o Índice de Desenvolvimento Humano, da ONU.
    Até por seu impacto político, o indicador é escrutinado com lupa pelos governos de turno.
    O número procura sintetizar a evolução de cada país com base em três dimensões essenciais: acesso à educação (média atual de anos de escolaridade da população e expectativa de escolarização para novos alunos), expectativa de vida e renda nacional per capita.
    O IDH brasileiro ficou em 0,730 (o máximo é 1), nota que deixa o país na 85ª posição (entre 187 nações), mas ainda no grupo com elevado desenvolvimento humano. Na comparação com os Brics, o país só perde para a Rússia -nada surpreendente, diante da renda per capita baixa de Índia e China.
    O quadro é menos alentador quando se verifica que o IDH médio da América Latina (0,741) é superior ao brasileiro. Chile e Argentina, por exemplo, ocupam a 40ª e a 45ª posições, respectivamente.
    Cabe a ressalva de que a ONU usou dados brasileiros de 2010 e que informações mais atualizadas colocariam o país em situação melhor. Ainda assim, a evolução dos últimos anos deixa a desejar. Após período de crescimento rápido entre 2005 e 2010, o ritmo caiu no último biênio, em especial por causa do baixo crescimento econômico.
    Fora da comparação numérica -sempre útil, mas incapaz de capturar nuances-, o ponto de maior interesse está na discussão dos principais elementos que impulsionam o bem-estar humano. O relatório elenca ao menos três: Estado engajado na meta do desenvolvimento, integração nos mercados mundiais e avanço continuado das políticas sociais.
    Quanto ao papel do Estado, a questão de fundo é mobilizar a sociedade para o desenvolvimento por meio de reformas econômicas e institucionais. Nesse quesito, o Brasil falha. O ímpeto reformista perdeu força nos anos de bonança externa, quando o governo se limitou a surfar a onda.
    O país também patina na integração global, pois segue fechado e cada vez mais à margem das cadeias produtivas de ponta e do comércio internacional de alto valor, com a crescente parcela de produtos primários nas suas exportações. Sem essa integração, é difícil incorporar tecnologia e aumentar a produtividade nacional.
    Por fim, nas políticas sociais, a despeito dos bons resultados dos últimos anos, o futuro demanda uma nova visão. As transferências de renda dão sinais de que não terão o mesmo impacto do passado, até por efeito de limitações orçamentárias. Doravante, educação e saúde é que farão a diferença.

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