sábado, 16 de março de 2013

Alcir Pécora:Compilação de ensaios de Eco parece um fôlder promocional

folha de são paulo

CRÍTICA / TEORIA LITERÁRIA
Compilação de ensaios de Eco parece um fôlder promocional
Propaganda deliberada da própria obra, livro do italiano nada tem de original
ALCIR PÉCORAESPECIAL PARA A FOLHA"Confissões de um Jovem Romancista" traz uma piada implícita no título, uma vez que o linguista, romancista e bibliófilo piemontês Umberto Eco (1932) é octogenário.
Mas acha justificativa para a graça ao dizer que começou a escrever ficção há apenas 30 anos, quando estreou com o romance que o tornou mundialmente conhecido, "O Nome da Rosa" (1980).
Os quatro ensaios contidos no livro resultaram de palestras suas em universidades americanas. O encaminhamento de todos eles é feito através de taxonomias e dicotomias, o que evidentemente trai a origem estruturalista de Eco.
Assim, as várias questões abordadas são conduzidas por oposições como escritor científico (cujas conclusões podem ser parafraseadas) e escritor criativo (que não admitem paráfrase e incluem a contradição); inspiração e transpiração (Eco acha que a primeira é apenas malandragem de escritor).
Ou poesia e prosa (na primeira, a escolha das palavras determina o conteúdo, enquanto na segunda é o universo construído e seus eventos que determinam as palavras); espaços confinados e espaços abertos (nos quais ambos interessam, desde que possuam especificidades e restrições).
Ou ainda leitor empírico (cada leitor particular) e leitor modelo (aquele produzido pelo texto); personagens de ficção e pessoas reais (sendo que, ambos, podem produzir emoção); listas práticas (finitas e referenciais) e listas poéticas (infinitas e significantes, mais que conteudísticas).
A oposição central, que está na base das demais, é a que Eco propõe entre texto e intérprete. Para ele, a obra é aberta, mas nem tanto.
Se admite que a intenção do autor é "misteriosa" e "invisível", também acha que as leituras da obra sofrem de uma "deriva incontrolável" e se prestam a "intenções discutíveis" do leitor.
A maneira de botar ordem na casa é acentuar a "presença reconfortante" do texto, cuja intenção é objetiva e "transparente".
PROPAGANDA
Daí a sua ideia, tomada de Karl Popper (1902-1994), de que os limites da interpretação são dados pelo "critério de falseabilidade", no qual as interpretações são confrontadas com o texto postulado como um "todo coerente".
No entanto, conquanto proponha o primado do texto sobre o autor e o leitor, Eco se revela mais interessado em apresentar o autor virtuoso que ele julga ser às plateias americanas para as quais fala.
O livro é um catálogo de autorreferências, nas quais, despudoradamente, ele se põe lado a lado com Joyce, Homero, Cícero, Milton, Shakespeare, Rabelais etc.
Não admira que o volume fique com jeito de fôlder promocional de sua obra para novos leitores.
Os quais, de resto, ele trata rebaixadamente como "fãs", e desafia para uma competição "astuciosa" para reconhecimento de "alusões" eruditas.
Enfim, bem pesado o livro, nada há nele de confessional (mas sim de propaganda deliberada), nada de original sobre a forma do romance (mas observações déjà vu que apenas caberiam num livro de semiótica "for dummies").
Assim como obviamente nada há de "jovem" (conquanto não deixe de transparecer a vontade, inabalável pelos anos, de ser eternamente sedutor).

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