Fernando Reinach - O Estado de S.Paulo
Finalmente um dos fenômenos que mais me impressionaram durante meu curso de graduação foi explicado: como um único genoma pode dar origem a dois seres vivos completamente diferentes.
Na espécie humana, como em praticamente todos os animais, o elo biológico entre um filho e cada um de seus pais é uma única célula. No meu caso, o elo com meu pai é um único espermatozoide que em algum momento de 1955 foi produzido e fecundou um óvulo produzido por minha mãe. De maneira similar, seu elo biológico com sua mãe é uma única célula, o óvulo que ela produziu e foi fecundado pelo espermatozoide de seu pai.
Essas duas células têm uma particularidade. Ao contrário dos bilhões de células que constituem o corpo de qualquer ser humano, que possuem duas cópias de cada gene (são diploides), o espermatozoide e o óvulo possuem somente uma cópia de cada gene (são haploides). No caso dos animais, essas "células-elo", que unem duas gerações, vivem no estado haploide muito pouco tempo, horas ou dias. Logo elas se fundem e geram a célula-ovo (novamente diploide), que por sua vez forma todo o corpo do filho.
Mas os seres vivos são uma caixinha de surpresa. Esse mecanismo simples, em que somente duas células fazem a ponte entre as gerações, não é universal. Em alguns seres vivos, as células haploides produzidas pelos pais, em vez de se fundirem imediatamente, se dividem milhares de vezes e produzem um outro ser vivo, completamente diferente dos pais e que faz o elo entre as gerações. Depois de crescerem, esses seres vivos compostos somente de células haploides produzem espermatozoides e óvulos que se fundem gerando um ovo, e este ovo dá origem ao filho.
Imagine como seria se os seres humanos funcionassem desse jeito: um precursor do espermatozoide do meu pai, em vez de fecundar o óvulo, teria saído do seu corpo e se dividido, formando um animal completamente diferente, irreconhecível. O mesmo ocorreria com um precursor do óvulo produzido pela minha mãe. Esses "elos-humanos" haploides, depois de viverem um tempo vagando por aí, se encontrariam, produziriam espermatozoides e óvulos que se juntariam formando o ovo diploide.
E finalmente, desse ovo, eu teria sido formado. Achou que parece ficção científica? Pois eu também achei quando me ensinaram que isso ocorria em muitas espécies de seres vivos. Um dos grupos de seres vivos que utilizam essa forma de reprodução é o dos musgos, aquelas plantas muito pequenas que recobrem pedras e barrancos úmidos. Outra é uma alga chamada Porphyra, usada nos restaurantes japoneses para embrulhar o arroz e preparar o sushi. Nessas espécies, a forma haploide é completamente diferente da forma diploide.
Elas são tão diferentes que inicialmente se imaginava que essas duas formas eram espécies distintas. Somente quando o ciclo completo de reprodução foi descrito é que os biólogos entenderam que esses dois seres vivos eram etapas do ciclo de reprodução de uma mesma espécie.
Esse é o caso da alga usada para preparar sushi. A folha que usamos é a forma haploide da alga. A diploide se parece com longos filamentos finos e transparentes, como se fossem fios de algodão molhados. Foi somente em 1949 que se descobriu que as duas formas pertenciam à mesma espécie.
Quando eu estudei isso na faculdade fiquei impressionado, afinal essas duas criaturas tão diferentes possuíam o mesmo genoma. Como era possível que um único genoma desse origem a formas de vida tão diferentes?
Estudando um musgo chamado Physcomitrella patens, os cientistas identificaram um gene denominado KNOX2, que parece controlar qual das duas formas é produzida. Nesse musgo, a forma de vida haploide se parece muito com uma planta comum. Tem um caule de onde surgem diversas folhas. Já a forma de vida diploide parece um fungo, com longos filamentos. Quando o gene KNOX2 está intacto, as duas formas se desenvolvem normalmente.
Se você remover esse gene, o corpo formado pelas células haploides continua a se formar normalmente, assumindo a forma de um caule com folhas. Mas as células diploides deixam de ser capazes de formar os filamentos e se desenvolvem com o formato de um caule com folhas, como se "pensassem" que eram haploides.
Os cientistas acreditam que no genoma dessa planta existem instruções para formar uma ou outra forma do organismo, e essa decisão é de alguma forma regulada pelo gene KNOX2. Essa descoberta explica pela primeira vez como esses organismos são capazes de organizar suas células em dois "corpos" completamente diferentes. Minha curiosidade, que durava 37 anos, começou a ser saciada.
Na espécie humana, como em praticamente todos os animais, o elo biológico entre um filho e cada um de seus pais é uma única célula. No meu caso, o elo com meu pai é um único espermatozoide que em algum momento de 1955 foi produzido e fecundou um óvulo produzido por minha mãe. De maneira similar, seu elo biológico com sua mãe é uma única célula, o óvulo que ela produziu e foi fecundado pelo espermatozoide de seu pai.
Essas duas células têm uma particularidade. Ao contrário dos bilhões de células que constituem o corpo de qualquer ser humano, que possuem duas cópias de cada gene (são diploides), o espermatozoide e o óvulo possuem somente uma cópia de cada gene (são haploides). No caso dos animais, essas "células-elo", que unem duas gerações, vivem no estado haploide muito pouco tempo, horas ou dias. Logo elas se fundem e geram a célula-ovo (novamente diploide), que por sua vez forma todo o corpo do filho.
Mas os seres vivos são uma caixinha de surpresa. Esse mecanismo simples, em que somente duas células fazem a ponte entre as gerações, não é universal. Em alguns seres vivos, as células haploides produzidas pelos pais, em vez de se fundirem imediatamente, se dividem milhares de vezes e produzem um outro ser vivo, completamente diferente dos pais e que faz o elo entre as gerações. Depois de crescerem, esses seres vivos compostos somente de células haploides produzem espermatozoides e óvulos que se fundem gerando um ovo, e este ovo dá origem ao filho.
Imagine como seria se os seres humanos funcionassem desse jeito: um precursor do espermatozoide do meu pai, em vez de fecundar o óvulo, teria saído do seu corpo e se dividido, formando um animal completamente diferente, irreconhecível. O mesmo ocorreria com um precursor do óvulo produzido pela minha mãe. Esses "elos-humanos" haploides, depois de viverem um tempo vagando por aí, se encontrariam, produziriam espermatozoides e óvulos que se juntariam formando o ovo diploide.
E finalmente, desse ovo, eu teria sido formado. Achou que parece ficção científica? Pois eu também achei quando me ensinaram que isso ocorria em muitas espécies de seres vivos. Um dos grupos de seres vivos que utilizam essa forma de reprodução é o dos musgos, aquelas plantas muito pequenas que recobrem pedras e barrancos úmidos. Outra é uma alga chamada Porphyra, usada nos restaurantes japoneses para embrulhar o arroz e preparar o sushi. Nessas espécies, a forma haploide é completamente diferente da forma diploide.
Elas são tão diferentes que inicialmente se imaginava que essas duas formas eram espécies distintas. Somente quando o ciclo completo de reprodução foi descrito é que os biólogos entenderam que esses dois seres vivos eram etapas do ciclo de reprodução de uma mesma espécie.
Esse é o caso da alga usada para preparar sushi. A folha que usamos é a forma haploide da alga. A diploide se parece com longos filamentos finos e transparentes, como se fossem fios de algodão molhados. Foi somente em 1949 que se descobriu que as duas formas pertenciam à mesma espécie.
Quando eu estudei isso na faculdade fiquei impressionado, afinal essas duas criaturas tão diferentes possuíam o mesmo genoma. Como era possível que um único genoma desse origem a formas de vida tão diferentes?
Estudando um musgo chamado Physcomitrella patens, os cientistas identificaram um gene denominado KNOX2, que parece controlar qual das duas formas é produzida. Nesse musgo, a forma de vida haploide se parece muito com uma planta comum. Tem um caule de onde surgem diversas folhas. Já a forma de vida diploide parece um fungo, com longos filamentos. Quando o gene KNOX2 está intacto, as duas formas se desenvolvem normalmente.
Se você remover esse gene, o corpo formado pelas células haploides continua a se formar normalmente, assumindo a forma de um caule com folhas. Mas as células diploides deixam de ser capazes de formar os filamentos e se desenvolvem com o formato de um caule com folhas, como se "pensassem" que eram haploides.
Os cientistas acreditam que no genoma dessa planta existem instruções para formar uma ou outra forma do organismo, e essa decisão é de alguma forma regulada pelo gene KNOX2. Essa descoberta explica pela primeira vez como esses organismos são capazes de organizar suas células em dois "corpos" completamente diferentes. Minha curiosidade, que durava 37 anos, começou a ser saciada.
* Fernando Reinach é biólogo.
MAIS INFORMAÇÕES: KNOX2 GENES REGULATE THE HAPLOID-TO-DIPLOID MORPHOLOGICAL TRANSITION IN LAND PLANTS. SCIENCE , VOL. 339 PAG. 1067 2013.
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