Marcela Ulhoa
Estado de Minas: 04/04/2013
Uma das grandes barreiras que travam o desenvolvimento de uma vacina contra o vírus da Aids é a alta taxa de mutação das proteínas do envelope desse micro-organismo. Nos últimos anos, a identificação de anticorpos altamente neutralizantes que têm como alvo as porções mais estáticas da molécula do vírus abriu uma importante porta para o desenvolvimento de um sistema eficaz de combate à doença. No entanto, a ciência ainda pouco sabe sobre o processo de desenvolvimento dos anticorpos logo após a infecção. O que se conhece é que uma pequena parcela dos pacientes infectados pelo HIV tipo 1 é capaz de desenvolver anticorpos amplamente neutralizantes, mas isso apenas depois de dois anos infectados.
Para melhor compreender o mecanismo de defesa do corpo humano contra o vírus da Aids, pesquisadores da Universidade de Duke, nos Estados Unidos, fizeram um mapeamento completo da evolução simultânea tanto do vírus quanto dos anticorpos neutralizantes em um único paciente africano durante um período de 34 meses a partir do início da infecção. Eles descobriram que os anticorpos são acionados e dirigidos pela evolução de uma proteína contida no envelope do vírus e que podem ser detectados antes da 14ª semana de infecção. Os pesquisadores ressaltam ainda que o anticorpo isolado do paciente apresenta um número menor de mutações do que a maioria das outras células de defesa neutralizantes, o que pode ser uma explicação para o rápido desenvolvimento dessa estrutura no paciente estudado.
De acordo com os pesquisadores, o mapeamento pode ser uma grande ferramenta na construção de estratégias de vacinas contra HIV-1 baseadas em anticorpos capazes de neutralizar de forma mais eficiente o vírus. "Pela primeira vez, mapeamos não só a via evolutiva do anticorpo, mas também a via evolutiva do vírus, definindo a sequência de eventos envolvidos que induzem a formação dos anticorpos amplamente neutralizantes", afirma Barton F. Haynes, um dos autores do estudo. Segundo ele, o próximo passo da pesquisa é utilizar as informações adquiridas desse mapa para sintetizar algumas sequências de envelopes do vírus e testá-los com vacinas experimentais.
"O interessante da pesquisa é parar de olhar somente para o antígeno (o vírus) e passar a entender como é a resposta imunológica do organismo. De acordo com as mutações do vírus da Aids, as feições do anticorpo também vão mudando", analisa Unai Tupinambas, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). No caso do estudo americano, foi isolado um anticorpo específico produzido pelo paciente, chamado CH103, e algumas de suas variantes. De acordo com os pesquisadores, essa célula de defesa seria capaz de barrar 55% dos casos de infecção por HIV-1. Sua eficiência é devido à ação direta no local específico em que o vírus se liga às moléculas de CD4 da superfície dos linfócitos B, células de defesa imunológica atacadas pelo HIV.
Interação dificultada Para invadir as células de defesa do organismo, o vírus da Aids utiliza as proteínas de sua superfície como se fosse uma chave bioquímica que se encaixa no receptor CD4, uma verdadeira fechadura das células do sistema de defesa humano. Ao interagir diretamente com as proteínas do vírus que ainda não sofreu mutação, os anticorpos CH103 impedem o encaixe do antígeno no anticorpo e, portanto, evitam a infecção. Mas como são poucas as pessoas que naturalmente conseguem produzir essa resposta rápida, o desafio da medicina é reproduzir o processo a todos os organismos. "Esse anticorpo seria, então, o nosso alvo de produção. Teríamos que fazer um protótipo de vacina com uma proteína capaz de induzir a produção do CH103 no organismo", destaca Tupinambas.
De acordo com Vítor Laerte Pinto Júnior, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Católica de Brasília, uma futura vacina fará com que o indivíduo receba não só com um, mas vários antígenos que forcem os linfócitos B a se adaptarem e produzirem anticorpos mais específicos. O professor acrescenta que o HIV é um alvo complicado porque ele se multiplica tão rápido que pode até mesmo criar subtipos diferentes do vírus dentro de uma mesma pessoa.
Mas não é somente o vírus que sofre mutação, os anticorpos também vão se modificando para criar uma ação imunológica eficiente. "Acontece que o anticorpo inicial tem ação contra o vírus também inicial, mas não contra o vírus que se modifica depois", explica. Uma das principais descobertas do estudo americano é a de que o anticorpo precursor germinal do CH103 tem elevada afinidade para a proteína do envelope expressa pelo vírus fundador que infectou o indivíduo, ainda antes da mutação. Segundo os autores do estudo, a ideia de que determinadas proteínas do envelope são mais susceptíveis de induzir anticorpos amplamente neutralizantes é suportada por experiências em macacos que mostram que alguns envelopes em particular induzem respostas ao HIV nos símios, enquanto outros não o fazem.
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