quinta-feira, 4 de abril de 2013

Tendências/Debates

folha de são paulo

CESAR CALLEGARI
TENDÊNCIAS/DEBATES
Heranças e desafios da educação paulistana
Herdamos uma fila nas creches de 97 mil crianças e mais 1.600 matriculadas em unidades que não estavam prontas. Um problemão
Inútil a tentativa do ex-secretário Alexandre Schneider de, em artigo recente ("Sobre parcerias e lealdades", em 29/3), fabricar uma "vacina" tardia contra avaliações negativas dos problemas deixados por seus sete anos de gestão à frente da Educação no município de São Paulo.
A eleição já passou, a população já fez a sua avaliação e já elegeu o programa de metas educacionais do prefeito Fernando Haddad. São elas que nos animam e mobilizam. Já dedicamos muito tempo e energia para solucionar os problemas que encontramos. São imensos os desafios à nossa frente.
É inaceitável que São Paulo ocupe o 35º lugar entre os 39 municípios da região metropolitana em qualidade da educação medida pelo Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). As crianças paulistanas não merecem e precisamos avançar.
Ano após ano, os alunos foram automaticamente aprovados. Mas 28% deles terminaram o primeiro ciclo do ensino fundamental, aos 10 ou 11 anos de idade, sem estar alfabetizados. Isso não é normal. Daí o nosso esforço para a Alfabetização na Idade Certa: todos lendo e escrevendo até os oito anos.
Educação com qualidade, sabemos, depende das condições em que se realiza o trabalho dos professores. Encontramos muitos deles adoecidos e desmotivados. Em 2012, houve 903 mil faltas por motivo de saúde -uma média de 15 dias por professor.
Foi necessário criar uma força-tarefa entre as secretarias de Educação, Saúde e Gestão, ouvir os sindicatos e passar a tratar desse problema com urgência. Estamos determinados a valorizar todos os educadores, apoiar o seu trabalho e investir na sua formação com a criação de 32 polos da Universidade Aberta do Brasil, em parceria com 22 das melhores universidades do país.
Herdamos, no dia 1º de janeiro de 2013, uma fila com 97 mil crianças à espera de vagas em creche. Fora as 1.600 que foram matriculadas em unidades que não estavam prontas. Um problemão. Nossa meta é zerar o deficit herdado e abrir ainda mais vagas, com a construção de 240 novas escolas, ampliação de convênios e estímulos para que as empresas atendam às necessidades educacionais dos filhos de seus empregados.
Estamos trabalhando muito para conseguir os terrenos para construir as 88 escolas que foram criativamente contratadas (sem terrenos) pela gestão anterior. Da mesma forma, estamos reduzindo os atrasos na entrega de material e uniforme causados por problemas havidos no ano passado.
É verdade que educação com qualidade se faz com cooperação e parcerias. Não continuaremos desprezando os apoios dos governos federal e estadual como vinha acontecendo. Eles são necessários.
Não "esqueceremos" de pedir livros didáticos ao MEC (Ministério da Educação) -lapso que prejudicou 50 mil alunos neste ano. Em dois meses, 312 de nossas escolas já se cadastraram nos programas de educação integral do MEC contra apenas 33 dos últimos quatro anos. Logo no primeiro mês, já obtivemos a liberação de R$ 20 milhões do governo estadual para a construção de novas creches.
A educação não pode ficar à mercê de diferenças político-partidárias. Portanto, tudo que foi produzido de bom nos últimos anos é tratado com o devido zelo à causa pública.
E tudo que mereça ser auditado, avaliado, mudado e melhorado será feito em respeito ao compromisso maior assumido com a população de São Paulo: fazer dela uma cidade educadora.


MARCELO COUTINHO

TENDÊNCIAS/DEBATES
"Belle époque" nunca mais
Ainda não foi inventado nada melhor do que a democracia liberal. A disputa entre governo e oposição revela contradições e faz um país avançar
No início dos anos 1990, o cientista político Francis Fukuyama sentenciou o fim da história com a vitória das democracias de mercado sobre o socialismo. Hoje, pode-se dizer que ele estava errado pelas razões certas.
A crise global de 2008 revelou as fraquezas do mercado, e a ascensão da China "comunista" como novo polo de poder dá fôlego às inclinações autoritárias. Governos que vão da Venezuela bolivariana ao Irã dos aiatolás contestam o modelo de democracia ocidental.
O embate direita versus esquerda segue como dois boxeadores depois do último gongo. Eles continuam lutando não pelas razões iniciais, mas porque, com tantos golpes, aprenderam a se odiar. A ponto de frentes ditas "progressistas" na América Latina se identificarem mais com Ahmadinejad do que com Obama.
A disputa política no Brasil não se trava pelas razões ideológicas do passado. O capitalismo venceu. O PT também privatiza. Depois de ter sido o país que menos cresceu no mundo em 2012 fora da Europa, Dilma quer agora abrir os portos ao capital, como fez dom João 6º há 200 anos.
A discussão utópica hoje deixou de estar em torno das privatizações, anti-imperialismo, ou da importância ou não do capital estrangeiro, e sim em como aproveitar o mais eficiente sistema econômico que a humanidade já inventou. Dilma tem que se curvar a esse fato, ainda que de maneira tardia.
Dificilmente alguém de boa-fé e bem informado trocaria o mundo globalizado da atualidade por qualquer outro período histórico. A "belle époque" de cem anos atrás acabou nas piores guerras. Os anos dourados de 1950 conviviam com a Guerra Fria. Em 1962, na crise dos mísseis em Cuba, o mundo quase acabou em uma hecatombe nuclear.
Sem apologias também ao neoliberalismo. O Estado nacional está de volta à cena mundial porque a lógica de mercado desregulado simplesmente fracassou. O mundo precisa de mais instituições e não de menos.
Ao escrever sob forte influência da derrocada soviética, o erro de Fukuyama e outros foi acreditar que a história seria congelada. Estavam enganados, embora partissem do pressuposto correto de que não foi inventado ainda nada melhor do que as democracias liberais para lidar com o contraditório.
Nesse tipo de regime, há governo e oposição competindo. Os dois lados são valiosos. É a disputa entre diferentes que revela suas contradições e faz um país avançar. Os EUA venceram a União Soviética porque suas instituições democráticas geraram mais bens públicos por mais tempo.
Vale notar o caráter antidemocrático e conservador de censurar quem não quer se manter preso às ideologias das revoluções de 1848. Muitos podem entender que faz mais sentido hoje pensar na forma como o local se relaciona com o global do que em luta de classes. A própria sociedade brasileira dá sinais de cansaço de ouvir discursos demiúrgicos fáceis do tipo "Nunca antes na história desse país...".
Os que falam muito em elites contra o povo costumam estar entre as elites também, só que populistas e algumas até mesmo fascistas. Utilizam esse recurso linguístico para alcançar o poder ou mantê-lo, frequentemente com viés autoritário.
Quem controla a inflação criando e estabilizando uma moeda nacional não pode ser contra o povo. Ao contrário, porque com inflação quem perde é o mais pobre. Vale a pena desconfiar de quem contabiliza quantas vezes faz uso de palavras como povo e pobreza no lugar de encontrar maneiras de fazer com que as pessoas dependam menos de bolsas.
Acabar com a miséria é ótimo. Ninguém pode ser contra isso. A existência de pobreza extrema é uma das explicações para a permanência de conflitos sociais. No entanto, já sabemos que não é possível acabar de maneira duradoura com a chaga da miséria sem democracia e sem mercado.
Um país avança só ao longo de diferentes governos, de diferentes partidos, alternando-se de maneira madura. A história não tem fim, e o seu começo não é o do último governo.

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