Novas casas paulistas
Criadas pelo Estatuto das Cidades, em 2001, as Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis) foram concebidas como espaços urbanos delimitados pelo poder público para legalizar áreas ocupadas irregularmente, reservar terrenos à construção de habitações para famílias de baixa renda e assegurar a preservação de mananciais.Em São Paulo, coube ao Plano Diretor de 2002 estabelecer as Zeis da capital. Elas compreendem de favelas da periferia a espaços subutilizados contíguos à região central.
Agora que a nova legislatura municipal inicia o debate sobre o próximo Plano Diretor, a revista "sãopaulo", publicada por esta Folha, trouxe à luz dados sobre o que foi realizado nessas zonas especiais. O resultado é decepcionante.
Nas Zeis 1, que abarcam loteamentos precários, pouco se fez em termos de urbanização e regularização de posse dos terrenos. Nas Zeis 2, que envolvem áreas vazias ou subutilizadas mais afastadas, apenas 46% receberam construções. Situação semelhante (51%) constatou-se nas Zeis 3, mais próximas da região central da cidade.
Não é apenas o baixo índice de regularização ou de edificação que se destaca. O levantamento evidenciou um desvio perverso --a usurpação de terrenos declarados de interesse social por empreendimentos imobiliários voltados ao mercado de alta renda.
Fracassos desse tipo não chegam a surpreender numa cidade em que a liberação irregular de prédios constituiu-se durante anos em rentável negócio para um funcionário encarregado do setor. É crucial, agora, apurar que tipo de falha ocorreu na prefeitura para que a ideia das Zeis fosse deturpada nesses casos, ameaçando um instrumento para contra-arrestar a tendência a confinar moradias populares à periferia da metrópole.
São Paulo também ganharia se as políticas públicas desestimulassem a lógica segregadora dos condomínios fechados e conjuntos habitacionais. Melhor seria trocar tais guetos de ricos e pobres por projetos mais ambiciosos, que promovessem no mesmo bairro a melhoria das condições de vida e o convívio entre faixas socioeconômicas.
Uma proposta elogiável nesse sentido veio com o lançamento, em abril, do Casa Paulista, parceria público-privada que envolve prefeitura e governo estadual. Serão construídas 20 mil unidades no centro expandido, mas talhadas para diferentes faixas de renda.
Inovação --esse é o caminho que São Paulo sempre seguiu. Não há por que parar agora.
EDITORIAIS
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Passado revisitado
Pesquisa Datafolha, 30 anos depois, mostra o paulistano mais preocupado com drogas e violência, porém aliviado da insegurança econômica
Nada como algum distanciamento para ajustar o foco das interpretações sobre o país, suas conquistas e deficiências. Quem quiser aquilatar quanto o Brasil avançou na atual fase de desenvolvimento estará condenado à miopia se considerar só os dois últimos anos, sob Dilma Rousseff, ou mesmo os oito anteriores de hegemonia petista.Recomenda-se recuar muito, muito mais. Três décadas, por exemplo, parecem já suficientes --e não só porque tanto vem durando o período de normalidade democrática-- para detectar algumas alterações profundas no estado de espírito do cidadão, seus temores e preocupações.
Ao completar 30 anos de existência, o Datafolha repetiu sua primeira pesquisa de opinião pública, realizada entre paulistanos em 1983. A questão principal era simples e direta: de que as pessoas mais tinham medo.
Não será surpresa para ninguém que a violência apareça em lugar proeminente, tanto agora como há 30 anos. Com efeito, somando a hipótese de ser assaltado em casa com a de sofrer o mesmo na rua, 31% dos paulistanos indicavam essa preocupação como prioritária --contra 42% hoje.
Por outro lado, é um tanto intrigante que o temor da violência tenha crescido exatamente no período em que ela diminuiu na capital, em termos estatísticos. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública indicam que, no final dos anos 1990, a cidade de São Paulo atingiu um pico de 69 homicídios por grupo de 100 mil habitantes (um dos indicadores mais usados). Hoje está em 11 por 100 mil.
O maior medo isolado dos paulistanos também se relaciona com a segurança pública, mas de forma indireta: 45% dos entrevistados temem que algum jovem da família se envolva com drogas.
Em 1983, essa era a preocupação de muito menos pessoas (23%). É aguda --e correta-- a percepção de que a criminalidade migrou para um padrão talvez menos violento, mas nem por isso menos devastador de vidas e famílias inteiras.
Por fim, esse olhar distanciado sobre o que aflige os paulistanos revela de modo cristalino a mais profunda transformação do Brasil nessas três décadas, na economia.
Não existe mais aquele país de cidadãos em permanente sobressalto, obcecados com a ameaça contínua aos salários: meros 7% têm como principal preocupação a alta do custo de vida (há 30 anos, eram 26%); só 5% temem perder o emprego (18% em 1983).
É um ganho e tanto, e só quem não viveu a hiperinflação deixará de valorizá-lo. É também um forte indício de que terá pouca repercussão social a proposta irresponsável e amalucada de voltar 30 anos no tempo para indexar salários e reativar a espiral inflacionária.
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