Frei Betto
Estado de Minas: 22/05/2013
Quem diz
organização, diz tendência para a oligarquia. Em cada organização, quer
se trate de um partido, de uma união de ofícios etc., a tendência
aristocrática manifesta-se de forma bastante pronunciada. O mecanismo da
organização, ao mesmo tempo que dá a essa uma estrutura sólida, provoca
graves modificações na base organizada. Inverte completamente as
respectivas posições dos chefes e das bases. A organização tem como
efeito dividir todo partido ou sindicato numa minoria dirigente e numa
maioria dirigida.”
“Quanto mais o aparelho de uma organização se complica, isto é, quanto mais vê aumentar o número de seus filiados, seus recursos crescerem e sua imprensa desenvolver-se, mais terreno perde o poder diretamente exercido pela base, suplantado pelo crescente poder das comissões.”
“Teoricamente o chefe não é mais do que um empregado, submisso às instruções que recebe da base. Sua função consiste em receber e executar as ordens desta última, do qual ele é apenas um órgão executivo.” “Mas, na realidade, à medida que a organização se desenvolve, o direito de controle reconhecido às bases torna-se cada vez mais ilusório. Os filiados têm de renunciar à pretensão de dirigir ou mesmo supervisionar todos os assuntos administrativos.”
“É assim que a esfera do controle democrático se retrai progressivamente, para, afinal, ficar reduzida a um mínimo insignificante. Em todos os partidos socialistas, o número de funções retiradas das assembleias eleitorais e transferidas para os conselhos de direção aumenta sem cessar. Ergue-se dessa forma um enorme edifício de complicada estrutura. O princípio da divisão de trabalho impondo-se cada vez mais, as jurisdições se dividem e subdividem. Forma-se uma burocracia rigorosamente delimitada e hierarquizada.”
“À medida que o partido moderno evolui para uma forma de organização mais sólida, vemos acentuar-se a tendência de substituir os chefes ocasionais pelos chefes profissionais. Toda organização de um partido, mesmo sendo pouco complexa, exige certo número de pessoas que a ele se consagrem inteiramente.”
“Pode-se completar essa crítica do sistema representativo com a seguinte observação política de Proudhon: os representantes do povo, dizia ele, mal alcançam o poder, já se põem a consolidar e a reforçar sua força. Incessantemente envolvem suas posições com novas trincheiras defensivas, até conseguirem libertar-se completamente do controle popular. É um ciclo natural percorrido por todo o poder: emanado do povo, acaba por se colocar acima do povo.”
Todos os textos acima não são de minha autoria. Foram escritos em 1911 pelo sociólogo alemão Robert Michels (1876-1936), de convicções socialistas, que deu aulas em universidades da Alemanha, França e Itália. Esses textos foram publicados no livro Sociologia dos partidos políticos (Editora Universidade de Brasília, 1982). A última cátedra de Robert Michels foi na Universidade de Turim, onde ensinou economia, ciências políticas e sociologia. Decepcionado com a falta de democracia nos partidos progressistas, faleceu acusado de conivência com o fascismo.
O que Michels denunciou há 102 anos infelizmente é praxe ainda hoje. A direção do partido é progressivamente ocupada por um seleto grupo profissionalizado que, a cada eleição, distribui entre si as diferentes funções. Os caciques são sempre os mesmos, sem que as bases tenham condições de influir e renovar os quadros de direção. À medida que o partido ganha espaço de poder, menos se interessa em promover o trabalho de base. A mobilização é trocada pela profissionalização (incluídos aqueles que ocupam cargos eletivos), a democracia cede lugar à autocracia, a ampliação e preservação dos espaços de poder tornam-se mais importantes que os princípios programáticos e ideológicos.
A Igreja Católica, por exemplo, é uma típica instituição que absorveu a estrutura imperial e vertical do Império Romano e ainda hoje dela não se livrou. E tenta justificá-la sob o pretexto de que essa estrutura decorre da vontade divina. Enquanto tateamos em busca da democracia real, na qual a vontade do povo significa mais do que uma retórica demagógica, temos o consolo de uma invencível aliada dos que criticam a perpetuação de políticos no poder: a morte. Ela, sim, faz a fila andar, promove a dança das cadeiras, abre espaço aos novos talentos.
“Quanto mais o aparelho de uma organização se complica, isto é, quanto mais vê aumentar o número de seus filiados, seus recursos crescerem e sua imprensa desenvolver-se, mais terreno perde o poder diretamente exercido pela base, suplantado pelo crescente poder das comissões.”
“Teoricamente o chefe não é mais do que um empregado, submisso às instruções que recebe da base. Sua função consiste em receber e executar as ordens desta última, do qual ele é apenas um órgão executivo.” “Mas, na realidade, à medida que a organização se desenvolve, o direito de controle reconhecido às bases torna-se cada vez mais ilusório. Os filiados têm de renunciar à pretensão de dirigir ou mesmo supervisionar todos os assuntos administrativos.”
“É assim que a esfera do controle democrático se retrai progressivamente, para, afinal, ficar reduzida a um mínimo insignificante. Em todos os partidos socialistas, o número de funções retiradas das assembleias eleitorais e transferidas para os conselhos de direção aumenta sem cessar. Ergue-se dessa forma um enorme edifício de complicada estrutura. O princípio da divisão de trabalho impondo-se cada vez mais, as jurisdições se dividem e subdividem. Forma-se uma burocracia rigorosamente delimitada e hierarquizada.”
“À medida que o partido moderno evolui para uma forma de organização mais sólida, vemos acentuar-se a tendência de substituir os chefes ocasionais pelos chefes profissionais. Toda organização de um partido, mesmo sendo pouco complexa, exige certo número de pessoas que a ele se consagrem inteiramente.”
“Pode-se completar essa crítica do sistema representativo com a seguinte observação política de Proudhon: os representantes do povo, dizia ele, mal alcançam o poder, já se põem a consolidar e a reforçar sua força. Incessantemente envolvem suas posições com novas trincheiras defensivas, até conseguirem libertar-se completamente do controle popular. É um ciclo natural percorrido por todo o poder: emanado do povo, acaba por se colocar acima do povo.”
Todos os textos acima não são de minha autoria. Foram escritos em 1911 pelo sociólogo alemão Robert Michels (1876-1936), de convicções socialistas, que deu aulas em universidades da Alemanha, França e Itália. Esses textos foram publicados no livro Sociologia dos partidos políticos (Editora Universidade de Brasília, 1982). A última cátedra de Robert Michels foi na Universidade de Turim, onde ensinou economia, ciências políticas e sociologia. Decepcionado com a falta de democracia nos partidos progressistas, faleceu acusado de conivência com o fascismo.
O que Michels denunciou há 102 anos infelizmente é praxe ainda hoje. A direção do partido é progressivamente ocupada por um seleto grupo profissionalizado que, a cada eleição, distribui entre si as diferentes funções. Os caciques são sempre os mesmos, sem que as bases tenham condições de influir e renovar os quadros de direção. À medida que o partido ganha espaço de poder, menos se interessa em promover o trabalho de base. A mobilização é trocada pela profissionalização (incluídos aqueles que ocupam cargos eletivos), a democracia cede lugar à autocracia, a ampliação e preservação dos espaços de poder tornam-se mais importantes que os princípios programáticos e ideológicos.
A Igreja Católica, por exemplo, é uma típica instituição que absorveu a estrutura imperial e vertical do Império Romano e ainda hoje dela não se livrou. E tenta justificá-la sob o pretexto de que essa estrutura decorre da vontade divina. Enquanto tateamos em busca da democracia real, na qual a vontade do povo significa mais do que uma retórica demagógica, temos o consolo de uma invencível aliada dos que criticam a perpetuação de políticos no poder: a morte. Ela, sim, faz a fila andar, promove a dança das cadeiras, abre espaço aos novos talentos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário