Zero Hora - 22/01/2013
Quarta passada escrevi sobre as vantagens de se ter o hábito da leitura
e, para minha surpresa, recebi um e-mail engraçado, ainda que a graça
fosse involuntária: um senhor de 60 anos defendeu furiosamente a ideia
de que ler é uma perda de tempo, válvula de escape de preguiçosos que
preferem o ócio à realidade – muito melhor seria viver, praticar
esportes. Não explicou como uma coisa impede a outra, mas seu ataque
contra os livros foi tão veemente, que quase acreditei que os
verdadeiros alienados são os que se dedicam às “histórias dos outros”,
como ele disse.
Eu estava a ponto de incinerar minha biblioteca e comprar uma
passagem para a Austrália quando um livro me caiu em mãos e resolvi
lê-lo – uma despedida antes de começar a viver de fato. Quem mandou?
Decidi que continuarei criando mofo, tudo por causa de Bom de Briga, do
australiano Markus Zusak, livro que dá prosseguimento a O Azarão,
lançado meses atrás.
Se no primeiro livro os personagens Cameron e Ruben, dois irmãos
desajustados de uma família modesta, gastam suas tardes planejando uns
crimezinhos mequetrefes pela vizinhança, agora, no segundo livro, eles
cresceram um pouco, mas só em tamanho: continuam sem saber o que fazer
para se tornar alguém. Até que, por causa de uma briga de rua, os irmãos
recebem um convite para lutar às ganhas, valendo dinheiro. É o mais
próximo de um emprego que eles já chegaram. A família está na pindaíba,
almoça e janta sopa de ervilhas. Os garotos topam.
Os dois livros são excelentes. Uma prosa seca e poética ao mesmo
tempo. Está ali, sem pieguice, o processo de iniciação à vida (pois é,
os personagens vivem, ao contrário de nós, leitores barrigudos). Em
poucas páginas, o significado de vitória e derrota. Dois guris que
batem, esmurram, até que o perdedor saia de dentro deles. Que descobrem
que a vida é um ringue onde, não importa quanto apanhemos, o importante é
levantar do chão.
Não pretendo me inscrever no Ultimate Fighters para levar uns
sopapos de verdade. A literatura me aproxima dos efeitos. Emociona,
estimula, dá a impressão de que também vivo aquilo tudo, ainda que,
segundo o senhor que se orgulha de nunca ter lido um livro, leitura seja
um subterfúgio para não frequentar nem ringues nem parques, nem quadras
de esporte, nem aeroportos, nem bares, enfim, aquilo que os amantes dos
livros ignoram que exista.
Markus Zusak se tornou mais conhecido por A Menina que Roubava
Livros, mas esses dois romances que escreveu antes de seu best seller
trazem um experimentalismo salutar à criatividade. A crítica, positiva,
rotula como “livros para jovens”. Obrigada pela parte que me toca, mas
discordo. São universais e uma aula para quem deseja aprender a
escrever, já que escrever, ao menos, está atrelado à vida, a julgar pelo
próprio autor, Markus Zusak, que a despeito de passar algumas horas em
frente ao computador fazendo seu ofício, não esconde de ninguém que o
que gosta mesmo é de surfar.
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