quarta-feira, 22 de maio de 2013

Rejeitado por estúdios, filme de amor gay surpreende em Cannes

folha de são paulo

RODRIGO SALEM
ENVIADO ESPECIAL A CANNES

Apesar de o italiano "La Grande Bellezza" ter se tornado um dos favoritos à Palma de Ouro ao ser exibido anteontem à noite, a manhã seguinte foi completamente dominada por Michael Douglas e sua interpretação do pianista gay Lee Liberace (1919-1987) em "Behind the Candelabra", em tese o último filme de Steven Soderbergh.
Douglas, cujo nome foi aplaudido durante a exibição dos créditos, não só tem um desempenho memorável no drama verídico sobre o caso de amor subversivo de Liberace por Scott Thorson (Matt Damon), um jovem 40 anos mais novo que escreveu o livro homônimo, como roubou a cena em sua entrevista para a imprensa mundial em Cannes.
Emocionou-se ao lembrar que esse é o primeiro grande filme que fez desde que se curou de um câncer na garganta ("Vou agradecer eternamente a Steven e Matt"). Contou como viu pessoalmente Liberace quando tinha 12 anos e achou estranho seu "cabelo fora de lugar". "Agora eu entendi o porquê", disse, referindo-se à peruca usada pelo seu personagem.
Divulgação
Michael Douglas (esq.) e Matt Damon vivem casal no filme "Behind the Candelabra", baseado em história real
Michael Douglas (esq.) e Matt Damon vivem casal no filme "Behind the Candelabra", baseado em história real
Idolatrado pelas mulheres nos anos 1970 e 1980, o pianista se apresentava constantemente em Las Vegas, onde possuía uma casa extravagante, andava com anéis de ouro e casacos brilhantes. Era gay, adorava mocinhos que o fizessem lembrar a sua imagem quando jovem, mas nunca saiu do armário -sua morte, de Aids, foi anunciada como um ataque cardíaco.
PORTA FECHADA
"O aspecto sociopolítico não estava na minha mente quando fiz o filme. Só queria fazer essa estranha relação parecer realista e íntima", declarou Soderbergh, que não conseguiu vender o projeto para estúdios e terminou recorrendo ao canal de TV HBO, que apoiou as cenas de sexo entre Douglas e Damon.
"Os estúdios achavam que o apelo do filme seria para o público gay. Hoje, quando olham para a crise econômica e pensam em gastar US$ 25 milhões em um filme assim, acham arriscado. Mas não posso reclamar, a TV vive sua segunda era de ouro."
"O problema não é o tema gay, mas o fato de que nenhum estúdio se preocupa mais com filmes menores. Só querem apostar em blockbusters para não correr riscos", reclama Michael Douglas.
A dificuldade de financiar longas ousados sem super-heróis ou vampiros levou Soderbergh a anunciar sua aposentadoria, no ano passado.
Mas, sentindo os ares de Cannes, onde ganhou a Palma de Ouro por "Sexo, Mentiras e Videotape", em 1989, ele já começa a relutar.
"Eu definitivamente vou dar uma parada depois de 'Behind the Candelabra', mas não sei por quanto tempo", despistou ele. "Se for meu último filme, posso dizer que saio orgulhoso do cinema."

Italiano é aplaudido três vezes e sai como favorito à Palma de Ouro
"La Grande Bellezza", de Paolo Sorrentino, faz crítica às elites
DO ENVIADO A CANNESEm sua quinta participação na mostra competitiva em Cannes --tendo vencido apenas o prêmio do júri por "Il Divo", em 2008--, o italiano Paolo Sorrentino finalmente pode ser considerado favorito à Palma de Ouro com seu "La Grande Bellezza", aplaudido três vezes em sua primeira sessão no festival, anteontem.
O cineasta, que teve seu "Aqui É o Meu Lugar", com Sean Penn travestido de Robert Smith (The Cure), lançado recentemente no Brasil, faz uma dura e divertida crítica às elites intelectual, política, econômica e até religiosa da Itália (retrata uma "santa signora" como um zumbi de hábito).
Usando o escritor e jornalista Jep Gambardella (Toni Servillo), Sorrentino passeia por Roma como Woody Allen.
No entanto, destila um humor mais filiado ao clássico "O Discreto Charme da Burguesia" (1972), de Luis Buñuel, e um visual felliniano --o protagonista seria sua versão do jornalista de Marcello Mastroianni de "A Doce Vida" (1960).
Os diálogos são afiados. Gambardella, ao entrevistar uma artista performática, pergunta o que ela quer dizer por "vibração". Ela se perde, implorando para o repórter questionar sobre como foi estuprada pelo pai ou como fez sexo com 200 homens.
Sorrentino não perdoa a pseudointelectualidade italiana, apesar de se apaixonar demais pelo mundo da alta sociedade romana, grotesca e vazia. Acerta em cheio quando mostra o vizinho corrupto preso, aos berros: "Eu faço esse país andar para você festejar durante a noite".
Mas derrapa no excesso narrativo e no abuso de câmeras em movimento, como se precisasse provar sua habilidade a partir do emprego de gruas. Talvez um prêmio maior coloque o italiano de vez nos trilhos.

    MONDO CANNES
    O jurado
    Para o ator francês Daniel Auteuil, integrar o júri do Festival de Cannes deste ano (liderado por Steven Spielberg) serve como exercício para buscar a origem das emoções que os filmes despertam nele. "Porque, no fundo, é isso que importa. Uma certa emoção pode parecer artificial ou arbitrária se as pessoas não sabem de onde ela vem", disse em entrevista. O júri deste ano tem nomes como Ang Lee.

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