quarta-feira, 22 de maio de 2013

Charge e Editoriais FolhaSP

folha de são paulo - Charge



Miséria desvalorizada
Valor de R$ 70 per capita adotado como linha da miséria é defensável, mas precisa ser corrigido para não resvalar no delírio propagandístico
Nos tempos da hiperinflação, antes do sucesso do Plano Real (1994), falava-se muito em imposto inflacionário. Taxas elevadas de desvalorização da moeda acarretavam receita adicional para o governo, por exemplo com a demora na correção da tabela de alíquotas do Imposto de Renda.
Hoje, alta de inflação voltou a ser apenas má notícia para o governo, bem sabe a presidente Dilma Rousseff. Efeitos danosos, entre eles a elevação dos preços de bens de consumo e a erosão da confiança empresarial, pesam mais contra sua administração que raros benefícios marginais --como a facilitação do marketing da pobreza.
"O fim da miséria é só um começo", proclamou em março a fábrica de slogans do Planalto. Anunciava-se ali que 2,5 milhões de pessoas saíam da condição de extrema pobreza graças a desembolsos complementares aos benefícios usuais, na quantia necessária para inteirar uma renda mensal mínima de R$ 70 por pessoa.
Com isso, o Brasil sem Miséria --o Bolsa Família turbinado por Dilma Rousseff após assumir a Presidência em 2011-- contava ter elevado acima da linha de pobreza extrema 22 milhões de brasileiros. Não havia mais miseráveis no país.
Melhor dizendo, desapareceram todos os miseráveis listados no cadastro oficial, com 71 milhões de nomes. O próprio governo estima que 700 mil famílias abaixo desse limiar escapem do registro oficial.
Fixar um limite entre quem é miserável e quem não é, mesmo que tomando por base só a renda, está longe de ser corriqueiro. O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome diz que seguiu vários estudos, compromissos assumidos com a ONU e recomendações do Banco Mundial, como o critério de US$ 1,25 por dia por pessoa (o que redundaria, pela cotação do dólar de ontem, em R$ 77).
A diferença de sete reais não parece significativa, mas é. Se a linha oficial de miséria fosse reajustada pela taxa de inflação acumulada (10,8%) desde que o critério foi estabelecido pelo governo Dilma Rousseff, chegaria a R$ 77,56 --e os mesmos 22 milhões de brasileiros escorregariam de volta para o contingente dos miseráveis que constam do Cadastro Único.
O mais correto seria dizer que esses 22 milhões de pessoas nunca deixaram de ser pobres em condições extremas. E o mais honesto, a partir do momento em que o Planalto decidiu convencionar e adotar uma linha oficial de miséria (num patamar defensável, registre-se), seria reajustá-la periodicamente pela taxa de inflação.
O fim da miséria, afinal, é só um objetivo a ser perseguido. E só nos delírios da propaganda pré-eleitoral se pode dá-lo por realizado.

    EDITORIAIS
    editoriais@uol.com.br
    A nova de Evo Morales
    Fiel ao roteiro chavista, Evo Morales e seus apoiadores manipularam a seu favor a ordem constitucional na Bolívia com a aprovação, pela Câmara de Deputados, da lei que permite ao presidente candidatar-se a um terceiro mandato consecutivo, no ano que vem.
    Trata-se de uma chicana. A própria Carta boliviana, ratificada em referendo de 2009, permite apenas uma reeleição presidencial consecutiva. Evo Morales conquistou um primeiro mandato em 2006 e reelegeu-se para um segundo em 2010, já sob a nova Constituição.
    Limitar-se a uma renovação, ademais, foi um compromisso público de Morales em 2008, quando o país estava paralisado por manifestações da oposição. Estas se dispersaram após um acordo político que deu origem ao inciso II da primeira disposição transitória da Carta de 2009, que não deixa dúvida: "Os mandatos anteriores à vigência desta Constituição serão tomados em conta para o cômputo de novos períodos de exercício".
    Para o vice-presidente Álvaro García Linera, a segunda reeleição já estaria "implicitamente" aprovada porque Morales abreviou seu primeiro mandato em um ano, voluntariamente, para se reeleger sob a nova regra em 2010.
    Instado a se manifestar no mês passado, o Tribunal Constitucional, alinhado com o governo, proferiu um sofisma: como a Bolívia teria sido refundada como um Estado Plurinacional, tudo o que havia antes do referendo de 2009 se tornara automaticamente nulo.
    Aberto o caminho para um novo mandato, Morales, no poder desde janeiro de 2006, pode agora estender o seu governo até 2020. Seria um recorde --nunca na história boliviana, marcada por diversos golpes e ditaduras, um governante ficou tanto tempo no poder.
    A permanência de Morales até 2020, contudo, não deve ser dada como inevitável. Primeiro, porque a vitória em 2014 não é certa --o presidente já enfrenta protestos de sindicatos, aliados tradicionais.
    Depois, com seu histórico bonapartista de atropelo de leis e acordos apoiado na popularidade (se esta se mantiver), não será surpresa se, no caso de um terceiro mandato, Morales voltar a patrocinar nova alteração constitucional.
    Embora a administração da economia por Evo Morales tenha sido menos desastrosa que a de seu aliado Hugo Chávez, a Bolívia segue caminho similar ao da Venezuela: uma Presidência que submete todas as instituições do Estado a seus interesses e fomenta a polarização do país para desqualificar a oposição como inimiga da pátria e da história.

      Nenhum comentário:

      Postar um comentário