Shirley Pacelli
Estado de Minas: 15/06/2013
No Nordeste, chá contra cólicas e tratamento de micoses. Para os índios da Amazônia, tinta para a pele. Em Passos de Minas, Minas Gerais, banho de assento e remédio contra picada de insetos. A sabedoria popular já utiliza a Arrabidaea chica Verlot, conhecida popularmente como crajiru. Entre o alho, o caju e a carqueja, o crajiru está na relação nacional de plantas medicinais de interesse ao Sistema Único de Saúde (SUS), que reúne cerca de 70 itens. Em 2003, projeto de uma empresa de cosméticos resolveu investigar a planta para a produção de batons. O estudo, realizado por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), acabou levando a outras descobertas, como a potencialidade de se criar novo medicamento fitoterápico para cicatrização de lesões de pele e mucosa.
O novo medicamento não seria apenas mais um no mercado. Os estudos comprovam que ele tem poder cicatrizante muito eficiente e poderá atender pacientes diabéticos com ulcerações e os imunodeprimidos (pessoas cujo sistema imunológico está enfraquecido). “O crajiru tem baixa toxicidade e eficiência alta”, afirma Mary Ann Foglio, coordenadora do projeto e pesquisadora da Divisão de Fitoquímica do Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA) da Unicamp.
No Brasil, de acordo com a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), há cerca de 12 milhões de pessoas acometidas com esse mal. Adriana Bosco, presidente da SBD Regional Minas Gerais e coordenadora do Ambulatório do Diabetes tipo 2 da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte, explica que quando o diabetes não é controlado, com o tempo a pessoa perde a sensibilidade dos membros inferiores e qualquer lesão pode virar uma úlcera. Há vários medicamentos para tratar os ferimentos em diabéticos, como géis e pomadas específicas.
O SUS fornece alguns deles. “O ideal é sempre a prevenção, porque depois é mais difícil de controlar. Mas tudo que vem para contribuir para a cura desse mal é muito bem-vindo. Ainda mais se a matéria-prima é brasileira”, afirma Adriana.
ESTUDOS Apesar de ser encontrada em todo o país, a Arrabidaea chica Verlot é mais comum na Amazônia, onde os indígenas também a utilizam para combater infecções fúngicas. Mary Ann Foglio conta que foi feito um estudo com as populações para saber qual era a mais adequada para o fim pretendido. “Determinamos as variedades e pesquisamos para montar o conteúdo químico de acordo com as estações e o efeito farmacológico. Quanto mais rico em antocianosídeos – substâncias de origem vegetal que demonstram uma poderosa atividade antioxidante, capacidade de promover a biossíntese do colágeno e impedir sua degradação –, maior o poder de cicatrização”, diz.
Mary Ann esclarece que a equipe, de cerca de 20 pessoas, vai começar a etapa dos estudos clínicos depois de ter passado pela pesquisa com animais. Várias teses sobre a planta estão em andamento. “Ainda leva um tempo até o medicamento chegar ao mercado. Mesmo porque, temos que encontrar empresas interessadas em produzi-lo”, explica. Além desse entrave, há outras desafios a serem enfrentados, como garantir uma coloração esteticamente melhor, pois o produto deixa a pele avermelhada (parecendo sangue), e descobrir uma forma para que o crajiru não se degrade facilmente, já que ele é um composto muito sensível, que se degrada rapidamente em condições atmosféricas normais de processamento. É necessário ainda descobrir por quanto tempo o medicamento fica na corrente sanguínea e o tempo que leva para sair do corpo.
A pesquisadora da Unicamp foi orientadora da dissertação de mestrado sobre o crajiru de Ilza Maria de Oliveira Sousa. Ilza avaliou a estabilidade do extrato seco e criou formulações semissólidas com os extratos padronizados a partir das folhas de crajiru. O trabalho gerou o depósito de uma patente em relação às técnicas para produção de nano partículas de longa duração – o segundo do projeto. O primeiro referia-se a processos para microencapsulação do extrato da planta.
Ilza Sousa explica que se decidiu pelo encapsulamento para aumentar a vida útil do composto. Ela produziu microcápsulas com três materiais diferentes: goma de cajueiro, goma arábica e mistura de goma arábica e maltodextrina. Essa última perdeu a coloração depois de 30 dias de armazenamento, mas com outra matriz se manteve por seis meses. Depois desses testes, ela passou a produzir cremes e diferentes tipos de géis, atestando que o de carbopol e o natrosol reduziram de 70% a 80% a área cutânea ulcerada. Enquanto o grupo de controle reduziu apenas 37%.
Ela conta que ainda não há medicamento natural para cicatrização de pacientes imunodeprimidos. “Trabalhar nesse projeto é uma satisfação pessoal grande, porque alcançamos o objetivo do grupo, que é a pesquisa de medicamentos de uso popular para doenças negligenciadas, aquelas que afetam a população mais carente. Podemos inclui-lo, futuramente, no sistema público de saúde”, conta.
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