sábado, 15 de junho de 2013

ENTREVISTA/SéRGIO FANTINI » Hora e vez do conto-Carlos Herculano Lopes‏

Contista defende as pequenas editoras e a ação coletiva para incentivar a leitura e ampliar os espaços para a literatura 


Carlos Herculano Lopes

Estado de Minas: 15/06/2013 


Mineiro de Belo Horizonte, onde nasceu em 1961, Sérgio Fantini, como tantos da sua geração, começou a publicar seus livros por conta própria, no fim da década de 1970, e a vendê-los de mão em mão nas ruas e bares de Belo Horizonte. Sem deixar de lado suas convicções, continua a fazer uma literatura de resistência, sem ceder ao apelo às vezes fácil das grandes editoras, nem se deixar “engolir” pelo tão propagado eixo Rio-São Paulo. Tanto que seu último livro, a coletânea de contos Novella, acaba de sair pela pequena editora Jovens Escritores, do Rio Grande do Norte. Textos seus também foram publicados recentemente na antologia 00 – 90, Cuentos brasileños contemporâneos, organizada por Nelson de Oliveira e Maria Alzira Brum, e lançada no México pela Editorial Veracruzana. “Eixo Rio-São Paulo é igual assombração, só aparece para quem acredita”, garante o irreverente Fantini, em conversa com o Pensar.

Você começou a escrever e a publicar no fim da década de 1970, quando o Brasil ainda vivia na ditadura militar. Como era escrever naquele tempo e como começou a sua história com a literatura?
Comecei a escrever muito cedo, aos 11 anos, em 1972. Cresci numa casa que tinha um cômodo chamado biblioteca. Antes de saber ler, já folheava enciclopédias e todo tipo de livro. Escrever foi o gesto mais imediato quando precisei me comunicar. Em 1976, quando editei meu primeiro folheto de poesia, “O cancioneiro”, usando às escondidas a fotocopiadora da Fundação de Educação Artística, onde trabalhava, não havia ainda, para mim, qualquer relação com o ambiente político do país. Mas em seguida, quando eu e outros parceiros continuamos a lançar mais e mais folhetos de poesia, e, em 1979, quando fizemos eu, Zanja e Byu nossos primeiros livros, sim, aí já havia um posicionamento em relação à realidade em que vivíamos. Sabíamos que era preciso     “fazer algo” contra a ditadura: participamos de festivais de música, encenamos peça de teatro, falamos nossos poemas ao vivo. E, sempre que possível, participávamos de manifestações da esquerda, comprávamos jornais etc. O tempo, claro, foi ajustando as coisas, para mim e para a realidade.

A exemplo de José Wilson Barbosa, Thaís Guimarães e João Batista Jorge, você vendeu os seus primeiros livros nas ruas. O que ficou desta experiência?
Alguns de meus melhores amigos vêm desta época, eu os conheci na rua. Fazer os primeiros livros e vendê-los de mão em mão, no período de 1979 a 1983, aproximadamente, foi, mais que uma experiência estética, provocação política ou resistência ao sistema editorial, uma experiência existencial. Colocamos a cara na rua, com nossos livros debaixo do braço, oferecendo-os diretamente aos nossos potenciais leitores. Era muito comum ler poemas, fazer amigos, conhecer garotas. Entendi que literatura não era apenas a poesia escrita, mas tudo o que eu podia viver com ela.

Os anos 1960 e 70 viram surgir o chamado boom do conto mineiro, com escritores como Roberto Drummond, Sérgio Sant’Anna, Manoel Lobato, Wander Piroli, entre outros. Você, que é de uma geração posterior, chegou a sofrer influência daquela turma?
Comecei escrevendo poesia, meus primeiros livrinhos são de poemas, feitos no mimeógrafo, no off-set de mesa. Quando, em 1985, lancei Carapuá, com poemas curtíssimos, já estava em busca da prosa. Minha referência inicial era a crônica. Apesar de, àquela altura, já ter lido muito de tudo, sem ter quem me orientasse, o que tentava escrever era um arremedo de crônica. Felizmente, tive senso crítico para não publicar aqueles textos. Mas em 1985 consegui, num surto, escrever três contos numa manhã. Estes textos foram premiados na Revista Literária da UFMG, o que me deu o ânimo necessário para continuar e, mais consciente de meu lugar no mundo, passei a ler com olhares menos ingênuos. Então, os autores citados, misturados com tudo o que me caía em mãos, incluindo releituras, como a coleção Maravilhas do conto universal, foram e continuam sendo minha melhor interlocução para escrever.
Com uma ou outra escapada para uma narrativa mais longa, você tem se mantido fiel ao conto. O gênero está sendo valorizado novamente?
O conto, como a poesia, continua sendo cultivado com competência por aí. As pequenas editoras têm dado conta do recado. O sistema, o mercado editorial, é que não tem sido esperto o suficiente para perceber isso. Por algum motivo que nem os mais experientes escritores conseguem explicar, há uma inclinação para a publicação de romances – e, quanto mais volumosos, melhor. Nada de errado com os romances, mas com essa tendência que cria uma “bolha”, como se os criadores fossem todos romancistas, muito da melhor produção literária nacional continua não aparecendo como merece. Sempre foi assim: se você quer algo de qualidade, saia da highway e pegue as estradas vicinais. É ali que está o diferencial.

Você acaba de lançar a coletânea de contos Novella, pela Jovens Escribas, do Rio Grande do Norte. Por que esta opção?
Sempre digo que o que a literatura me deu de melhor foi fazer bons amigos. Veja que fiz sozinho um folhetinho em 1976 e de lá para cá sempre me movimentei por conta deles, principalmente: viagens, saraus, publicações, teatro, música, vídeo, revoluções... E por ter sempre recebido muito mais do que meu, talvez, talento merecesse, procurei retribuir indiscriminadamente. Quando o desconhecido Carlos Fialho quis lançar seu livro em BH, ajudei no que foi possível. Ficamos amigos e, em 2008, quando lancei A ponto de explodir, ganhei um fã potiguar. Dono da Editora Jovens Escribas, ele vem me cantando para fazer a segunda edição do A ponto… há uns quatro anos. Nessa balada, fizemos o Silas em 2011 e, agora, este Novella. Mas até o fim de 2013 sai, finalmente, a segunda edição, “revista pelo autor”, do A ponto de explodir. Eixo Rio-São Paulo é igual assombração, só aparece para quem acredita.

Há algum tempo, com o objetivo de se agregar mais força à literatura feita e Minas, foi criado em BH o Coletivo 21, do qual você faz parte. Como tem sido esta experiência?
Sou coletivista por natureza, não faço nada sozinho; minha torre de marfim tem dezenas de “puxadinhos". A partir de algumas conversas que tivemos no Salão do Livro de Belo Horizonte, Adriano Macedo teve a ideia do grupo, que me seduziu de imediato. Os escritores são, “por natureza”, com muitas aspas, sujeitos dados ao isolamento e, por isso, acabam também abrindo mão de sua participação na vida política de suas comunidades. Estar no Coletivo 21 é a oportunidade de atuar em conjunto com meus amigos e parceiros de literatura, colocar minhas ideias sobre nosso ofício em prática, ao lado de, em favor do outro, e não apenas para lustrar meu umbigo. Em dois anos de vida, o grupo reabilitou o concurso de literatura da Prefeitura de BH, fez antologias, participou de dezenas de mesas e outros eventos literários pelo país. Por ser um grupo grande e democrático, formado por pessoas extremamente talentosas (e agora não falo por mim), nos movemos com alguma lentidão, mas há ações em andamento que ainda movimentarão a cena nacional.

Você coordena algumas oficinas literárias no Espaço Letras & Pontos. É possível ensinar alguém a escrever?
As oficinas têm minha atenção muito especial. Aquilo que sempre fiz, a partir de 1989, trocar opiniões sobre originais com os amigos, foi a base para que me colocasse como mediador de leitura e escrita. Assumi a tarefa ao lado da de tentar escrever literatura, como uma missão de vida. Acredito que ler constrói pessoas melhores. Ler e escrever, para quem se dispuser a trabalhar. Então, não me interesso se as pessoas podem “aprender a escrever”. Sempre me perguntam se surgem bons contos nas oficinas. Respondo: “Consigo, com alta taxa de sucesso, fazer com que as pessoas entendam que é preciso trabalhar; a literatura não é o leite derramado dos seios das musas, mas o resultado de esforço. E isso serve para escrever e para ler”. Além das oficinas longas, tenho dado oficinas pelo interior, para outros escritores, bibliotecários, estudantes e professores e também pela Fundação de Cultura de BH. Aliás, ali, onde trabalho há quase três décadas, estamos fazendo, sob a coordenação de Fabíola Farias, um trabalho intenso de incentivo à leitura, reflexão e fortalecimento da ação bibliotecária.

Novella

. De Sérgio Fantini
. Editora Jovens Escribas, 90 páginas.
. Informações: escriptoria.natal@gmail.com

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