PAULO WERNECK
DE SÃO PAULO
DE SÃO PAULO
Um jovem editor arrecada dinheiro para lançar uma série de livros. Vende mil coleções antes de imprimi-las e funda uma editora decisiva na cultura brasileira. Crowdfunding, uma vaquinha na internet? Cooperativismo editorial?
Seria isso, se a história não tivesse começado em 1965, quando Jacó Guinsburg, paulistano nascido na Bessarábia em 1921, lançou a coleção Judaica, o marco zero da editora Perspectiva, que fez a cabeça de fornadas inteiras de universitários brasileiros.
Em plena ditadura, um grupo de intelectuais reunidos em torno de Jacó e sua mulher, Guita, realizou a proeza de renovar a bibliografia das ciências humanas, lançando modas intelectuais como a semiótica e um novo jeito de fazer livros no Brasil.
Leticia Moreira/Folhapress | ||
O editor Jacó Guinsburg com volume da coleção Debates, em seu escritório, em São Paulo |
De quebra, trouxeram ao debate brasileiro quadrinhos, MPB, drogas e outros temas que eram tabus até para as cabeças mais esclarecidas.
Começava-se a virar a página do velho modelo de editor brasileiro, de perfil missionário e obrigatoriamente esquerdista, para um tipo de edição universitária "clean", de inspiração europeia, que hoje repercute em editoras como a 34, a Cosac Naify e a mineira Autêntica.
Chega às livrarias, 48 anos depois do primeiro, o milésimo título da editora: "Coisas e Anjos de Rilke", de Augusto de Campos. Seria injusto tratá-lo como mera reedição: o concretista acrescentou 70 novas traduções e voltou a outras 60, além dos ensaios críticos incluídos no volume.
A editora ainda lança hoje, às 18h, na Casa das Rosas, reedição de "ReOperação do Texto", de Haroldo de Campos, acrescido de dois ensaios, um (sobre Mallarmé no Brasil) inédito em português.
Os irmãos Campos foram dois dos principais intelectuais que formaram em torno da editora um polo de pensamento de vanguarda, ao lado de Celso Lafer, Zulmira Ribeiro Tavares, Modesto Carone, Paulo Emílio Sales Gomes, Sábato Magaldi, Sérgio Miceli e outros membros do conselho editorial da coleção Debates, o maior ícone da casa.
Editoria de Arte/Folhapress |
PROJETO GRÁFICO
As capinhas e o formato estreito da Debates são um dos casos mais bem-sucedidos do nosso design. Para o designer Chico Homem de Melo, o projeto enxuto de Moysés Baustein representou a chegada do ideário modernista ao livro brasileiro. Mas seria um projeto datado?
"A meu ver, o projeto gráfico da coleção Debates é datado E atual", disse Homem de Melo à Folha, por email. "É datado por deixar muito nítidas as marcas do tempo em que foi concebido. É atual porque, a meu ver, continua funcionando até hoje."
Da Debates vieram conceitos que inundariam teses e mesas de bar: significante, significado, obra aberta, apocalípticos e integrados --os dois últimos cunhados por Umberto Eco, o "best-seller" da casa. A editora ainda promoveu uma "Revolução Russa" ao publicar poetas e teóricos como Maiakóvski e Roman Jakobson.
"Cada década teve uma editora marcante: nos anos 1980, foi a Brasiliense; nos 90, a Companhia das Letras; nos 2000, a Cosac Naify. Nos 1970, foi a Perspectiva", diz o editor da Edusp, Plínio Martins Filho, que trabalhou lá de 1971 a 1989.
Mil títulos depois, a editora continua aglutinando novas gerações. A dramaturga Cibele Forjaz, o antropólogo Pedro Cesarino ("Oniska") e o tradutor André Vallias, que publicou seu premiado "Heine, Hein?" em 2011, bateram na porta de Jacó para oferecer projetos de difícil aceitação em editoras comerciais.
Ele continua publicando ensaios cabeçudos sobre teatro, biografias alentadas, como a de Diderot, e prepara a obra completa de Espinosa, em cinco volumes. Com as dificuldades comerciais típicas dos pequenos editores e sem planos concretos para o digital, Jacó evita queixumes sobre a extrema concentração que o mercado vive.
"Não adianta querer dizer que é predatório", diz Jacó. "Está certo. Uma editora como a Companhia das Letras faz uma edição de mercado, mais adequada. Eu não seria capaz de fazer, tanto que não fiz. Não porque não queria, porque não pude fazer. O resto é papo, é mentira."
OS PREDILETOS
"O Balanço da Bossa", de Augusto de Campos
"Descobri o livro quando a Tropicália estava estourando. Era um caetanista fervoroso, e a ideia de que intelectuais sérios, poetas famosos também achavam o Caetano genial me deixava felicíssimo e orgulhoso."
Marcelo Coelho, colunista da Folha
"Li em 1975 a edição bilíngue dos poemas de Mallarmé, com tradução de Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari, e esse livro representou para mim a descoberta da poesia."
André Vallias, poeta e designer
"Signantia: Quase Coelum/Signância: Quase Céu", de Haroldo de Campos
"Extraordinário encontro da poesia de Haroldo de Campos com a arte gráfica de Antonio Lizárraga e Gerty Saruê; um marco do design de livros no país".
Fabrício Corsaletti, poeta
"Poemas", de Vladimir Maiakóvski, na tradução de Boris Schnaiderman, Augusto e Haroldo de Campos
"Li aos 20 anos. Tudo me impressionou --design, poemas, tradução. Pela primeira vez achei um livro de poesia um objeto bonito. Reproduzi a contracapa, com a frase A poesia --toda-- é uma viagem ao desconhecido', emoldurei e pendurei na parede."
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