Era uma vez
Amigo torcedor, amigo secador, a Copa das Confederações começa hoje com arenas de Primeiro Mundo (como alardeia o coro jeca do subdesenvolvimento atávico) cercadas por realidade típica de várzea por todos os lados.
Por dentro Champions League, por fora Desafio ao Galo, para lembrar o romântico torneio de futebol amador de SP. Aliás, melhor não chamar de arenas, nem sequer de elefantes brancos --mais respeito aos mamíferos.
Ilhas, são apenas ilhas de concreto, superfaturamento e artificialíssima modernidade. Estou fora, fui ali fazer algo proibido, segundo o parâmetro Fifa, e já volto.
Ilhas cercadas de sem-tetos por todos os lados. Como ontem no protesto na frente do Mané Garrincha. Donde arrisco uma conta populista: só os aditamentos no contrato deste estádio, ops, arena, daria para construir casas para uma candangolândia inteira. Vai dizer que o protesto não é legítimo? Calar é que é ilegal, imoral ou engorda.
Ilhas que devolvem o Brasil a uma feição branca escravocrata, ilhas que ignoram até nova classe C, esse fetiche econômico governista, passando a borracha, qual a polícia do Alckmin, no rascunho de alguma mudança.
Corta para o Rio, cidade maquiada da beleza e do caos, como na profecia do melhor romance brasileiro em séculos, o "Favelost" (ed. Martins Fontes), saga babilônica de Fausto Fawcett.
Começa a Copa das Confederações em Brasília e aqui nos arredores do Maraca tem o pontapé inicial da Copa dos Removidos, torneio de futebol com times de favelas e cortiços vítimas da maquiagem. A bola rola na Gamboa. Massivo ataque sem retranca. Um toque Caymmi e "me voy" como no pebolim (ou totó) dos espanhóis: não pinte o rosto que gosto e é só seu, ó musa da paisagem carioca.
Tapumes não tapam, a realidade vaza, sol sobre a peneira do Eclesiastes, nada de novo, brother, nada de novo, meu gringo velho que blasfemava ontem na madruga do Cervantes qual um cabra falante das línguas do Pentecostes. A gente se fala.
Arenas de Primeiro Mundo cercadas de várzeas por todos os lados, se é que você me entende. Com todo o perdão ao futebol varzeano, meu caro Sérgio Vaz, você que cuida poeticamente do bate-bola dos suburbanos corações de São Paulo. Digo várzea no sentido simbólico, um "se liga" para quem cai no conto.
Afinal de contas, nossas várzeas têm mais flores, como na canção do exílio do velho Gonçalves Dias que eu decorei nos verdes anos. Nossos bosques têm mais vida, nossa vida mais amores.
Ah, esqueci, tem Brasil x Japão, desculpa, que a seleção canarinha triunfe, apesar do pessimismo do meu corvo Edgar, o agourento dos agourentos. Afinal de contas, essa história do futebol como ópio do povo é uma farsa. Nunca se protestou tanto nesse país.
A várzea somos nós.
@xicosa
xico.folha@uol.com.br
Xico Sá, jornalista e escritor, com humor e prosa, faz a coluna para quem "torce". É autor de "Modos de Macho & Modinhas de Fêmea" e "Chabadabadá - Aventuras e Desventuras do Macho Perdido e da Fêmea que se Acha", entre outros livros. Na Folha, foi repórter especial. Na TV, participa dos programas "Cartão Verde" (Cultura) e "Saia Justa" (GNT). Mantém blog e escreve às sextas, a cada quatro semanas, na versão impressa de "Esporte".
A várzea somos nós.
xico.folha@uol.com.br
Xico Sá, jornalista e escritor, com humor e prosa, faz a coluna para quem "torce". É autor de "Modos de Macho & Modinhas de Fêmea" e "Chabadabadá - Aventuras e Desventuras do Macho Perdido e da Fêmea que se Acha", entre outros livros. Na Folha, foi repórter especial. Na TV, participa dos programas "Cartão Verde" (Cultura) e "Saia Justa" (GNT). Mantém blog e escreve às sextas, a cada quatro semanas, na versão impressa de "Esporte".
Nenhum comentário:
Postar um comentário