Ailton Magioli
Estado de Minas: 01/06/2013
Bairros simples e sua gente trabalhadora sempre inspiraram o pintor Lorenzato |
O pequeno anúncio, de texto claro e objetivo – LORENZATO, compro quadros do artista LORENZATO –, publicado há dois domingos no Estado de Minas, chamou a atenção da reportagem. Afinal, até que ponto iniciativas assim contribuem para inflacionar o preço da obra de arte? O trabalho de Amadeo Luciano Lorenzato (1900 –1995) estaria passando por um momento de valorização? O recurso é comumente usado entre marchands e colecionadores?
Há cerca de um mês, dois quadros pequenos do artista (Favela e Soltador de pipa no Morro do Papagaio, de 20cm x 25cm cada) foram leiloados por R$ 1,9 mil, respectivamente, pela galeria Rugendas e pelo Vitor Braga Escritório de Arte, de Belo Horizonte, jogando por terra os planos do provável colecionador interessado na valorização da pintura de Lorenzato, que era também escultor.
“Quando a procura for maior que a oferta, o preço tende a aumentar”, aposta o marchand Vitor Braga, com 38 anos de experiência. “Por enquanto, há oferta da obra de Lorenzato, mas o próprio mercado dá sinal de que ela vai faltar. Já tivemos essas obras com mais facilidade”, admite.
No verso do óleo sobre tela As borboletas (33cm x 40cm), de 1948, pertencente ao acervo da Manoel Macedo Galeria de Arte, o artista se autodefine: “Amadeo Luciano Lorenzato – Pintor autodidata e franco-atirador. Não tem escola. Não segue tendências. Não pertence a igrejinhas. Pinta conforme lhe dá na telha. Amém”.
O colorido refinado, com um quê de ingenuidade remetendo à arte naif, e a geometria fazendo lembrar Volpi contribuem para tornar a obra de Lorenzato atraente. “Ele continua sendo o artista que todos querem”, diz o marchand Vitor Braga, garantindo que se pudesse estender a obra de Lorenzato para além de Minas Gerais, ela teria reconhecimento e, consequentemente, maior valor de mercado. “A arte dele ficou meio regionalizada, acho que pelo próprio jeito humilde do pintor. Faltou e continua faltando um empurrão para ele descer a Serra da Mantiqueira.”
Para Vitor, o triângulo da arte brasileira tem um cavalete no Rio de Janeiro, outro em São Paulo e o terceiro em Minas Gerais. “Em minha humilde opinião, o ideal seria tentar montar exposições de Lorenzato na Pinacoteca do Estado de São Paulo e no Museu Nacional do Rio de Janeiro, para que ele pudesse se tornar mais conhecido”, diz. O pintor alcançou o preço máximo de R$ 11 mil na venda de Madona (70cm x 50cm), que Vitor classifica de “antiga e espetacular”, por meio da galeria Rugendas.
“Hoje, não tenho mais nada de Lorenzato no acervo. Tudo que chega vende facilmente”, salienta. Segundo Vitor Braga, entre os grandes colecionadores já houve quem anunciasse em jornais do interior (São João del-Rei e Barbacena, no Campo das Vertentes), conseguindo comprar de uma só vez 18 quadros do artista. Entre os colecionadores mineiros se destacam Eduardo Simões, Manoel Macedo, Vitório Semionate e Pedro Olivotto.
Especulação Com visão contrária à do colega, Manoel Macedo vê no movimento em torno da arte de Lorenzato muito mais especulação do que valorização em si. “As pessoas têm mania de comprar arte como investimento, quando deveriam fazê-lo por sentimento. No caso de Lorenzato, por sentimento puro”, sugere o marchand, lembrando ter ocorrido o mesmo com Marcos Coelho Benjamin, Zé Bento e Fernando Luchesi, entre outros.
O recurso do anúncio, revela, é até mais comum do que se imagina. “Amilcar de Castro, por exemplo, é alvo disso. Ocorre com todo artista brasileiro. Acho até meio chato”, diz Macedo, assumindo-se como comprador, e não vendedor de Lorenzato. “Para valorização, atualmente, apostaria em Amilcar de Castro, Tunga, Zé Rezende e Ana Maria Maiorino”, lista.
Lorenzato, acredita Macedo, é vantagem “por amor e sentimento”. “O pessoal está meio guloso em relação à obra dele. Como ainda é muito barata, imaginam que vai subir”, explica, dizendo ter cerca de 30 quadros “bem selecionados” do artista. “É um pintorzaço, que me diz verdades. Sou apaixonado pela pintura dele. Além disso, sempre será uma grande pessoa, um grande homem”, declara.
Amigo pessoal de Lorenzato, Manoel produziu uma individual e algumas coletivas dele em sua galeria. “Como pintor, ele é do tamanho de todos os outros de renome. Não perde para Guignard, Di Cavalcanti, Volpi, Pancetti e Amilcar de Castro. Todos são do mesmo tamanho”, conclui.
As obras de Lorenzato sempre estiveram no limite entre o que seria arte popular e arte erudita |
Palavra de especialista
Maria Angelica Melendi
Pesquisadora, autora do livro Lorenzato
Popular e erudito
O problema de Lorenzato é que ele está sempre no limite entre o que seria arte popular e arte erudita – na verdade, um conceito muito vago. Aqui no Brasil, não se usa muito o termo, mas costumo classificá-lo como autor da arte dos iletrados ou autodidata. É daqueles artistas que não passam por uma escola de arte e nem fazem trabalho de acordo com a tradição. Lorenzato não passou por escola, mas faz uma arte que tem a ver com a própria tradição dele: um italiano que vem para
o Brasil, volta à Itália e acaba retornando ao Brasil. Trata-se de um exemplo de mestiçagem e hibridismo. Ele junta estas duas características: o Brasil e a tradição
de visualidade italiana.
Pintor de paredes e cidadão do mundo
Ailton Magioli
Lorenzato deixou recado atrás de um de seus quadros |
Filho de italianos que chegaram ao Brasil durante a onda imigratória ocorrida entre o século 19 e a década de 1930, Amadeo Luciano Lorenzato (foto) aprendeu as primeiras noções do ofício com o italiano Américo Grande, no trabalho em sua própria casa. Depois, tornou-se ajudante de Camilo Caminhas, na época o único empreiteiro de pintura de Belo Horizonte.
A epidemia da gripe espanhola, que castigou a capital na década de 1920, foi responsável pela volta da família à Itália. Em 1925, o jovem Lorenzato frequentou a primeira escola especializada, a Real Academia de Arte, de Vicenza, onde se iniciou como pintor de cavalete.
Em Roma, ele conheceu o caricaturista holandês Cornelius Keesman, com quem viajou pela Europa. Na Bélgica, Lorenzato trabalhou na construção civil. Na França, ele e o pintor italiano Gino Severini frequentavam famosos cafés, pontos de encontro de Pablo Picasso e Henri Matisse.
A morte do pai, em 1930, levou Lorenzato de volta à Itália, onde se casou. A 2ª Guerra Mundial o fez voltar ao Brasil. Em 1948, foi trabalhar no Hotel Quitandinha, em Petrópolis. Com a chegada da mulher e do filho, estabeleceu-se em BH, onde viveu 13 anos. Precocemente aposentado depois de cair enquanto trabalhava num apartamento, passou a se dedicar à pintura artística, que exercitou até a morte, em 1995.
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