Estado de Minas: 01/06/2013
Estamos
cercados de futebol por todos os lados. O que é muito bom. Espaço de
manifestação da cultura brasileira, o futebol nos define. No entanto, há
uma mudança na forma como ele hoje ocupa nossa vida. Há algumas
décadas, o jogo era manifestação clara de um tipo de encontro lúdico e
igualitário. Havia semelhança, ou pelo menos a escala de diferenciação
não era tão extrema, entre o jogo de várzea e as partidas do time do
coração. Hoje os universos se escandiram.
A recente cerimônia de entrega do Mineirão aos dirigentes da Fifa é, nesse sentido, um símbolo. A palavra entrega não é gratuita. Todo o processo, da escolha do país para sediar a Copa até a forma como foram feitas as obras e acertados os encargos (unilateralmente: a Fifa manda, o Brasil obedece), demonstra que o futebol ficou em segundo plano em favor dos negócios. O mais abusivo de todos os avanços foi a concordância em modificar a legislação corrente durante algumas semanas, em nome da preservação dos interesses comerciais de uma entidade internacional privada, vocacionada para o lucro.
Entre os abusos aprovados estão a permissão da venda de bebidas do patrocinador, quebrando uma conquista feita em nome da paz e do bom senso; a proibição do funcionamento de parte do comércio da região do estádio e até mesmo a utilização do espaço público, sob o argumento de que se trata de pirataria de direitos econômicos; a isenção de impostos sobre circulação de mercadorias de patrocinadores, fraturando a espinha tributária oficial, que não dá colher de chá aos cidadãos brasileiros; e até a suspensão temporária do nome do estádio, num suicídio de identidade abominável. Além disso, o Estado, em seus três níveis, aparelhou de tal maneira a operação que os gastos não são objeto de validação pelas instâncias de fiscalização e correição. As opções técnicas destinadas a investimentos em vários setores também não obedeceram à lógica política democrática.
Com isso, o cenário que se afigura com a aproximação da Copa das Confederações e, em seguida, da Copa do Mundo, é de um abandono voluntário da soberania em favor de interesses econômicos de uma entidade privada, a Fifa, que vem sendo questionada em todo o mundo pela falta de lisura de suas operações. O anunciado ganho paralelo em termos de maior visibilidade para o turismo, atração de investimentos para as cidades e reforma e aparelhamento das arenas se mostrou vicário, quando não francamente danoso.
O número de turistas, pelas expectativas mais otimistas, deve, quando muito, se manter o da série histórica prevista para o mês dos jogos (nas copas do Japão e da Alemanha, a quantidade de turistas diminuiu durante os jogos); as obras, além da verticalização das decisões, deixaram de lado demandas históricas, como o metrô, para apostar em soluções mais imediatas e que já nascem obsoletas (além de executadas sem controle público e abaixo da qualidade técnica contratada, como se viu recentemente com o BRT da Crisitano Machado).
Por fim, a reforma e gerenciamento dos estádios têm mostrado resultado contraproducente, com redução de lugares, aumento de preços de ingressos e serviços e falta de competência na operação. O Mineirão, que já abrigou jogos para mais de 100 mil pessoas, com tropeiro quente e saboroso, parece tremer de medo com a expectativa de 60 mil. Além disso, a privatização dos aparelhos criou mais uma instância em que o lucro deixa de fluir para o próprio espetáculo e seus atores (os times), para beneficiar consórcios incapazes de gerir o negócio e que, além disso, têm lucro garantido em contrato com o setor público, mesmo com a ineficiência comprovada em jogos e grandes espetáculos musicais. Sem falar da falta de transparência da fonte e aplicação de recursos gastos na reforma, com sucessivos aditamentos de contrato.
Nação Canarinho Futebol não é só coisa de boleiro. Manifestação cultural expressiva, vem ganhando de uns tempos para cá atenção de historiadores, cientistas políticos e romancistas. É o que demonstram três livros lançados recentemente, que têm o esporte como centro das atenções. São leituras de profundidade distinta, mas que compõem um tríptico interessante sobre o esporte.
A primeira publicação é A construção da Nação Canarinho – Uma história institucional da seleção brasileira de futebol, 1914-1970, do historiador Carlos Eduardo Barbosa Sarmento (Editora FGV). O objetivo do estudo é acompanhar o processo de formação institucional da seleção desde sua criação, no começo do século 20, até a consagração com o tricampeonato de 1970, no México. Para o autor, é possível estabelecer vínculos entre a sociedade, a política e cultura em relação ao futebol, que responde, em sua formulação institucional, ao que se passava no país.
Cada escolha na forma de organizar o futebol diz tanto do esporte quanto do estágio de amadurecimento do país. Não se trata de uma relação mecânica, mas de um intrincado jogo de influências que viajam em mão dupla, até consagrar um modelo de gerenciamento que tem sua maior expressão em 1970. Para levar adiante sua pesquisa, Carlos Eduardo Barbosa Sarmento acompanhou a história da seleção de futebol para mostrar como interagiram, através do tempo e em diálogo com a conjuntura, jogadores e dirigentes, de modo a construir um modelo de controle das manifestações esportivas e de sua relação com o universo cultural e político.
Se o primeiro desafio foi vencer a dicotomia entre amadores e profissionais, logo o esporte conquista a agenda pública e ganha tradução oficial na criação das entidades centralizadoras, durante o período varguista e pós-primeiro campeonato mundial no Uruguai (1930), que consolida a ideologia do homem nacional em padrões eugenistas. Para um Estado centralizador, um futebol oficial, ainda que dominado no discurso pela ambivalência entre a arte e a ciência (com valorização de elementos brasileiros como a ginga e o drible, evocados por Gilberto Freyre). Os anos 1950, que abrem com a derrota da seleção na copa realizada em casa, vão assistir à profissionalização da entidade controladora do futebol, a Confederação Brasileira de Desporto (CBD), que avança em direção ao modelo internacionalista e profissional, que daria o bicampeonato ao país em 1958 e 1962.
O ano de 1970 consagra essa escolha, com a dobradinha cancha e caserna, já que o sucesso da seleção, além de significar para o esporte a conquista definitiva da taça Jules Rimet, se traduziria em ganho ideológico para um Estado de exceção, fundado numa ditadura civil-militar extremamente discricionária. Nesse contexto, o fracasso da campanha de 1966 chegou a receber cobertura até mesmo do temido Serviço Nacional de Informações (o temido SNI), além de pressões para estabelecimento de inquérito parlamentar para investigar o fraco desempenho. É nesse caldo que se consolida o modelo que se cristaliza em 1970, centralizado, militarizado, autoritário (todos conhecem o episódio da destituição de João Saldanha, ligado à esquerda, do comando técnico do time) e subsidiário a certo “patriotismo servil”. Um modelo administrativo “meticuloso, com detalhamento de etapas de preparação, e um forte investimento no condicionamento físico e emocional”. Receita certa para transformar um time de futebol na expressão de uma Nação Canarinho. Quem não a amasse, que tirasse seu time de campo.
Prazer e dor Outro livro feito sob medida para quem gosta de futebol é Pelada – Uma volta ao mundo pelo prazer de jogar futebol (Editora Zahar), da jornalista e jogadora de futebol Gwendolyn Oxenham, uma norte-americana que chegou a atuar profissionalmente no Santos Futebol Clube. Pelada é um livro que celebra a alegria de jogar bola, mas é também uma interessante reportagem que atravessa 25 países, tendo como cenário sempre os campos amadores e as pessoas comuns.
Gwendolym correu atrás da bola, mas principalmente de boas histórias, de pessoas anônimas, de todos os tipos e países, que têm em comum o gosto pelas peladas. Ela jogou com executivos no topo de prédios no Japão, com destiladores clandestinos de bebidas numa favela africana e com grosseiros alemães incapazes de entender o espírito esportivo sem o qual uma pelada não funciona. No saudável internacionalismo do futebol, a escritora participou de partidas entre árabes e judeus em Jerusalém, com presidiários na Bolívia e até com mulheres de chador no Irã. As partidas são em si a realização de um desejo e um acesso direto ao prazer, mas são também convites para o conhecimento da diversidade humana – na solidariedade do jogo e na veemência da disputa – e de culturas.
O que Gwendolym aprendeu com tantas peladas em sua volta ao mundo? “A maioria dos jogadores quer o espetáculo, queremos cativar. Mas, um dia, percebemos que, mesmo no silêncio, com ninguém olhando, a sensação de dar o melhor de si e jogar muito bem é ótima (...). O sonho, no fim das contas, não é jogar numa seleção ou numa liga profissional. O sonho é jogar; e jogar é um sonho.” A conclusão da autora parece deslocada num tempo em que as peladas dos meninos foi substituída pelas escolinhas de futebol e os campinhos foram engolidos pela voracidade do lucro sobre os espaços vazios que sempre fizeram parte das cidades. O vazio, hoje, está na infância que joga bola com um console de videogame na mão e, quando se cansa do futebol, troca o cartucho e sai atirando para tudo que é lado.
Para completar a pequena biblioteca futebolística recente, e sem querer revelar demais a trama, chega às livrarias um belo romance de Marcelo Backes, O último minuto (Editora Companhia das Letras). História de futebol e honra, a narrativa coloca frente a frente um presidiário, ex-técnico de futebol, e o narrador, um missionário. O esportista João, o Vermelho, nascido Yannick Nasyniack, desfia suas memórias e dores de alma, de forma nem sempre direta, que trazem à cena, além de um segredo que só ao fim se revela, os tormentos do passado, a sensação de envelhecimento, a força irremediável do tempo e o arrependimento incapaz de redenção.
Além do futebol que perpassa a trama, às vezes com reflexões filosóficas sobre a vida e a morte, a trama mescla a vida de João, o Vermelho, com a de outros imigrantes de origem russa, num espaço dominado pela ética do trabalho, do desenraizamento, da cultura rural e do sentimento de ser estrangeiro em qualquer lugar. O futebol, com seus simbolismos e metáforas, empresta muitas vezes sentido à vida. Outras, ajuda a entender a inevitabilidade do destino. A ideia, por exemplo, de morte súbita, que sai da ciência para entrar em campo, por vezes é mais significativa que parece a primeira vista. Estamos sempre vivendo o último minuto.
A construção da Nação Canarinho – Uma história institucional da seleção brasileira de futebol, 1914-1970
• De Carlos Eduardo Barbosa Sarmento
• Editora FGV, 148 páginas, R$ 20
Pelada – Uma volta ao mundo pelo prazer de jogar futebol
• De Gwendolyn Oxenham,
• Editora Zahar, 320 páginas, R$ 44,90
O último minuto
• De Marcelo Backes
• Editora Companhia das Letras, 220 páginas, R$ 38,50
A recente cerimônia de entrega do Mineirão aos dirigentes da Fifa é, nesse sentido, um símbolo. A palavra entrega não é gratuita. Todo o processo, da escolha do país para sediar a Copa até a forma como foram feitas as obras e acertados os encargos (unilateralmente: a Fifa manda, o Brasil obedece), demonstra que o futebol ficou em segundo plano em favor dos negócios. O mais abusivo de todos os avanços foi a concordância em modificar a legislação corrente durante algumas semanas, em nome da preservação dos interesses comerciais de uma entidade internacional privada, vocacionada para o lucro.
Entre os abusos aprovados estão a permissão da venda de bebidas do patrocinador, quebrando uma conquista feita em nome da paz e do bom senso; a proibição do funcionamento de parte do comércio da região do estádio e até mesmo a utilização do espaço público, sob o argumento de que se trata de pirataria de direitos econômicos; a isenção de impostos sobre circulação de mercadorias de patrocinadores, fraturando a espinha tributária oficial, que não dá colher de chá aos cidadãos brasileiros; e até a suspensão temporária do nome do estádio, num suicídio de identidade abominável. Além disso, o Estado, em seus três níveis, aparelhou de tal maneira a operação que os gastos não são objeto de validação pelas instâncias de fiscalização e correição. As opções técnicas destinadas a investimentos em vários setores também não obedeceram à lógica política democrática.
Com isso, o cenário que se afigura com a aproximação da Copa das Confederações e, em seguida, da Copa do Mundo, é de um abandono voluntário da soberania em favor de interesses econômicos de uma entidade privada, a Fifa, que vem sendo questionada em todo o mundo pela falta de lisura de suas operações. O anunciado ganho paralelo em termos de maior visibilidade para o turismo, atração de investimentos para as cidades e reforma e aparelhamento das arenas se mostrou vicário, quando não francamente danoso.
O número de turistas, pelas expectativas mais otimistas, deve, quando muito, se manter o da série histórica prevista para o mês dos jogos (nas copas do Japão e da Alemanha, a quantidade de turistas diminuiu durante os jogos); as obras, além da verticalização das decisões, deixaram de lado demandas históricas, como o metrô, para apostar em soluções mais imediatas e que já nascem obsoletas (além de executadas sem controle público e abaixo da qualidade técnica contratada, como se viu recentemente com o BRT da Crisitano Machado).
Por fim, a reforma e gerenciamento dos estádios têm mostrado resultado contraproducente, com redução de lugares, aumento de preços de ingressos e serviços e falta de competência na operação. O Mineirão, que já abrigou jogos para mais de 100 mil pessoas, com tropeiro quente e saboroso, parece tremer de medo com a expectativa de 60 mil. Além disso, a privatização dos aparelhos criou mais uma instância em que o lucro deixa de fluir para o próprio espetáculo e seus atores (os times), para beneficiar consórcios incapazes de gerir o negócio e que, além disso, têm lucro garantido em contrato com o setor público, mesmo com a ineficiência comprovada em jogos e grandes espetáculos musicais. Sem falar da falta de transparência da fonte e aplicação de recursos gastos na reforma, com sucessivos aditamentos de contrato.
Nação Canarinho Futebol não é só coisa de boleiro. Manifestação cultural expressiva, vem ganhando de uns tempos para cá atenção de historiadores, cientistas políticos e romancistas. É o que demonstram três livros lançados recentemente, que têm o esporte como centro das atenções. São leituras de profundidade distinta, mas que compõem um tríptico interessante sobre o esporte.
A primeira publicação é A construção da Nação Canarinho – Uma história institucional da seleção brasileira de futebol, 1914-1970, do historiador Carlos Eduardo Barbosa Sarmento (Editora FGV). O objetivo do estudo é acompanhar o processo de formação institucional da seleção desde sua criação, no começo do século 20, até a consagração com o tricampeonato de 1970, no México. Para o autor, é possível estabelecer vínculos entre a sociedade, a política e cultura em relação ao futebol, que responde, em sua formulação institucional, ao que se passava no país.
Cada escolha na forma de organizar o futebol diz tanto do esporte quanto do estágio de amadurecimento do país. Não se trata de uma relação mecânica, mas de um intrincado jogo de influências que viajam em mão dupla, até consagrar um modelo de gerenciamento que tem sua maior expressão em 1970. Para levar adiante sua pesquisa, Carlos Eduardo Barbosa Sarmento acompanhou a história da seleção de futebol para mostrar como interagiram, através do tempo e em diálogo com a conjuntura, jogadores e dirigentes, de modo a construir um modelo de controle das manifestações esportivas e de sua relação com o universo cultural e político.
Se o primeiro desafio foi vencer a dicotomia entre amadores e profissionais, logo o esporte conquista a agenda pública e ganha tradução oficial na criação das entidades centralizadoras, durante o período varguista e pós-primeiro campeonato mundial no Uruguai (1930), que consolida a ideologia do homem nacional em padrões eugenistas. Para um Estado centralizador, um futebol oficial, ainda que dominado no discurso pela ambivalência entre a arte e a ciência (com valorização de elementos brasileiros como a ginga e o drible, evocados por Gilberto Freyre). Os anos 1950, que abrem com a derrota da seleção na copa realizada em casa, vão assistir à profissionalização da entidade controladora do futebol, a Confederação Brasileira de Desporto (CBD), que avança em direção ao modelo internacionalista e profissional, que daria o bicampeonato ao país em 1958 e 1962.
O ano de 1970 consagra essa escolha, com a dobradinha cancha e caserna, já que o sucesso da seleção, além de significar para o esporte a conquista definitiva da taça Jules Rimet, se traduziria em ganho ideológico para um Estado de exceção, fundado numa ditadura civil-militar extremamente discricionária. Nesse contexto, o fracasso da campanha de 1966 chegou a receber cobertura até mesmo do temido Serviço Nacional de Informações (o temido SNI), além de pressões para estabelecimento de inquérito parlamentar para investigar o fraco desempenho. É nesse caldo que se consolida o modelo que se cristaliza em 1970, centralizado, militarizado, autoritário (todos conhecem o episódio da destituição de João Saldanha, ligado à esquerda, do comando técnico do time) e subsidiário a certo “patriotismo servil”. Um modelo administrativo “meticuloso, com detalhamento de etapas de preparação, e um forte investimento no condicionamento físico e emocional”. Receita certa para transformar um time de futebol na expressão de uma Nação Canarinho. Quem não a amasse, que tirasse seu time de campo.
Prazer e dor Outro livro feito sob medida para quem gosta de futebol é Pelada – Uma volta ao mundo pelo prazer de jogar futebol (Editora Zahar), da jornalista e jogadora de futebol Gwendolyn Oxenham, uma norte-americana que chegou a atuar profissionalmente no Santos Futebol Clube. Pelada é um livro que celebra a alegria de jogar bola, mas é também uma interessante reportagem que atravessa 25 países, tendo como cenário sempre os campos amadores e as pessoas comuns.
Gwendolym correu atrás da bola, mas principalmente de boas histórias, de pessoas anônimas, de todos os tipos e países, que têm em comum o gosto pelas peladas. Ela jogou com executivos no topo de prédios no Japão, com destiladores clandestinos de bebidas numa favela africana e com grosseiros alemães incapazes de entender o espírito esportivo sem o qual uma pelada não funciona. No saudável internacionalismo do futebol, a escritora participou de partidas entre árabes e judeus em Jerusalém, com presidiários na Bolívia e até com mulheres de chador no Irã. As partidas são em si a realização de um desejo e um acesso direto ao prazer, mas são também convites para o conhecimento da diversidade humana – na solidariedade do jogo e na veemência da disputa – e de culturas.
O que Gwendolym aprendeu com tantas peladas em sua volta ao mundo? “A maioria dos jogadores quer o espetáculo, queremos cativar. Mas, um dia, percebemos que, mesmo no silêncio, com ninguém olhando, a sensação de dar o melhor de si e jogar muito bem é ótima (...). O sonho, no fim das contas, não é jogar numa seleção ou numa liga profissional. O sonho é jogar; e jogar é um sonho.” A conclusão da autora parece deslocada num tempo em que as peladas dos meninos foi substituída pelas escolinhas de futebol e os campinhos foram engolidos pela voracidade do lucro sobre os espaços vazios que sempre fizeram parte das cidades. O vazio, hoje, está na infância que joga bola com um console de videogame na mão e, quando se cansa do futebol, troca o cartucho e sai atirando para tudo que é lado.
Para completar a pequena biblioteca futebolística recente, e sem querer revelar demais a trama, chega às livrarias um belo romance de Marcelo Backes, O último minuto (Editora Companhia das Letras). História de futebol e honra, a narrativa coloca frente a frente um presidiário, ex-técnico de futebol, e o narrador, um missionário. O esportista João, o Vermelho, nascido Yannick Nasyniack, desfia suas memórias e dores de alma, de forma nem sempre direta, que trazem à cena, além de um segredo que só ao fim se revela, os tormentos do passado, a sensação de envelhecimento, a força irremediável do tempo e o arrependimento incapaz de redenção.
Além do futebol que perpassa a trama, às vezes com reflexões filosóficas sobre a vida e a morte, a trama mescla a vida de João, o Vermelho, com a de outros imigrantes de origem russa, num espaço dominado pela ética do trabalho, do desenraizamento, da cultura rural e do sentimento de ser estrangeiro em qualquer lugar. O futebol, com seus simbolismos e metáforas, empresta muitas vezes sentido à vida. Outras, ajuda a entender a inevitabilidade do destino. A ideia, por exemplo, de morte súbita, que sai da ciência para entrar em campo, por vezes é mais significativa que parece a primeira vista. Estamos sempre vivendo o último minuto.
A construção da Nação Canarinho – Uma história institucional da seleção brasileira de futebol, 1914-1970
• De Carlos Eduardo Barbosa Sarmento
• Editora FGV, 148 páginas, R$ 20
Pelada – Uma volta ao mundo pelo prazer de jogar futebol
• De Gwendolyn Oxenham,
• Editora Zahar, 320 páginas, R$ 44,90
O último minuto
• De Marcelo Backes
• Editora Companhia das Letras, 220 páginas, R$ 38,50
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