SYLVIA COLOMBO
DE BUENOS AIRES
DE BUENOS AIRES
Desde os 13 anos de idade, o argentino Rodolfo Fogwill (1941-2010) tomou nota dos sonhos que ia tendo.
Nessa época, não havia começado, ainda, suas carreiras. Nem a de publicitário, nem a de professor de sociologia da Universidade de Buenos Aires e muito menos a de escritor, pela qual se tornaria célebre anos depois.
Os sonhos eram, então, anotados em qualquer lugar, ao lado de outros escritos, estudos, listas. Depois, passaram a ganhar cadernos exclusivos para si.
Editoria de arte/Folhapress | ||
Já homem maduro, Fogwill levava-os às sessões com os quatro psicanalistas com que se consultou entre os anos de 1965 e 1982. Seguiu registrando-os, até poucos dias antes de sua morte.
LANÇAMENTO PÓSTUMO
O que se pode ler em "La Gran Ventana de los Sueños" (a grande janela dos sonhos), livro póstumo que é lançado agora pela Alfaguara argentina, não é uma simples compilação desses sonhos.
O volume traz uma construção interpretativa de tudo o que Fogwill refletiu sobre as imagens que lhe atravessaram a cabeça ao longo das noites que dormiu na vida.
O autor parte da premissa de que contar um sonho e narrar uma obra literária são atividades que possuem um parentesco.
"Quando uma pessoa tenta lembrar-se de algo que sonhou, já não está inventando e transformando essa matéria-prima?", pergunta-se.
Ao longo do livro, Fogwill vai elencando categorias nas quais se encaixam seus sonhos mais recorrentes.
Editoria de Arte/Folhapress |
As mais gerais têm a ver com a diferença entre sonhos angustiantes e opressores e sonhos de plenitude, que são ao mesmo tempo tristes, mas que trazem paz, uma sensação que o autor compara à atmosfera de alegria e alívio que se costuma encontrar em alguns funerais.
Os que mais o intrigam, porém, são os sonhos com cemitérios, e se pergunta se não estamos, nos sonhos, sempre contemplando, de alguma forma, a morte.
Outra categoria são os sonhos com água, que incluem os sonhos com mar, que vão da calmaria à revolta, e os sonhos que envolvem a atividade de nadar ou de flutuar.
AMBIGUIDADE
Fogwill vincula ambas a uma forma de isolar-se e de, ao mesmo tempo, relacionar-se de modo ambíguo com a existência.
"Encontramos seus cadernos com os sonhos originais, mas o que está no livro é o que transformou em literatura", afirma a filha do escritor, Vera Fogwill, que é cineasta.
"São textos que estavam em seu computador, organizados, prontos para serem editados. São o resultado de uma recriação literária daquilo que sonhou durante toda a vida", afirma ela.
"La Gran Ventana de Los Sueños" é seu livro póstumo mais completo (leia textos ao lado). Estava prestes a ser entregue a um editor e já possuía até uma capa e uma dedicatória.
"Não hesitamos em publicar porque sabíamos que ele estava a ponto de fazê-lo, não nos sentimos como quem expõe algo íntimo ou secreto", afirma Vera Fogwill.
O material foi encontrado depois da morte do autor, em seu apartamento, no bairro portenho de Palermo.
"Até dar de cara com esses escritos, não tinha ideia de que meu pai anotava seus sonhos e durante tanto tempo. Foi uma surpresa", diz ela.
A fronteira entre literatura e psicanálise é muitas vezes desafiada na obra. De fato, Fogwill fez psicanálise por muitos anos, era um leitor de Lacan e foi casado com duas psicanalistas.
"Os textos têm muito de experimentação com as teorias psicanalíticas. Há que se desconfiar do que Fogwill conta como sonhos que tenha tido e do que ele criou a partir de conceitos teóricos", observa, com ceticismo, o crítico e editor Damián Tabaróvsky.
SONHO COM KIRCHNER
Entre os sonhos mais curiosos está o que descreve um encontro com o então presidente Néstor Kirchner (1950-2010), na Casa Rosada, sede do governo argentino. Foi esse o que ganhou mais atenção da imprensa e da crítica argentinas.
Fogwill chega ao lugar e encontra um bando de funcionários públicos que riem de forma estranha, irônica e macabra ao mesmo tempo.
Até que topa com o presidente, que o vê e depois deixa o ambiente. Sua saída, porém, é como a de alguém que se desvanece, que se dilui no ambiente.
O livro foi lançado na Argentina durante a Feira do Livro de Buenos Aires, recebendo boas críticas em jornais locais e espanhóis.
Por enquanto, não foi traduzido em outras línguas, mas ganhará edições nos países hispano-americanos.
LA GRAN VENTANA DE LOS SUEÑOS
AUTOR Rodolfo Fogwill
EDITORA Alfaguara (importado)
QUANTO US$ 22 (126 págs.)
AUTOR Rodolfo Fogwill
EDITORA Alfaguara (importado)
QUANTO US$ 22 (126 págs.)
Geração do autor renovou cena argentina
DE BUENOS AIRESRodolfo Fogwill faz parte da geração que renovou a literatura argentina pós-Borges e Cortázar. Ao lado de Cesar Aira, Ricardo Piglia e Juan José Saer, marcou uma nova fase nas letras do país vizinho."São autores que discutem o realismo. Fogwill misturava isso com uma atitude contestatória com relação à classe média progressista argentina, seus valores e modo de ver a vida", diz o crítico e editor Damián Tabaróvsky.
Para ele, essa veia está mais exposta em "Os Pichiciegos", que escreveu em seis dias, logo após o fim da Guerra das Malvinas, e que trata da ilusão dos militares e da sociedade argentinas na recuperação das ilhas, por meio da história de um grupo de soldados desertores.
Essa característica também se encontra em seus contos e ensaios. "Nos últimos anos antes de morrer, havia sido descoberto pela nova geração, que o lê e o admira e hoje o tem como referência. Se tivesse vivido seis ou sete anos mais, teria tido um reconhecimento muito maior, dentro e fora da Argentina", afirma Tabaróvsky.
Entre as obras mais importantes de Fogwill, estão "Vivir Afuera" e "Muchacha Punk". O escritor também se dedicava ativamente a oficinas literárias, nas quais interagia com jovens autores.
Fumante inveterado, foi vítima de vários efeitos do cigarro, desde uma deformação no rosto até o enfisema que terminou matando-o de forma relativamente precoce.
Dois outros inéditos serão lançados neste ano
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O trabalho de recuperação dos inéditos deixados por Rodolfo Fogwill está sendo realizado pela família do escritor e pela historiadora Veronica Rossi. A base são os escritos enviados pelo autor a amigos e editores.
"Era comum que mandasse seus textos a interlocutores em quem tinha confiança, para que sugerissem coisas e opinassem. São eles que estão nos trazendo seus inéditos agora", conta Vera Fogwill, filha do escritor.
Esse material inclui dois romances, que devem chegar ao mercado ainda neste ano. Um deles é "Nuestro Modo de Vida", que estava com uma amiga, no Chile.
Outro é "La Introducción", que estava com o crítico e editor Damián Tabaróvsky.
ESPECIALISTAS
Além da historiadora, dois especialistas em sua obra estão trabalhando sobre o material. "Não queremos que saia nada que ele não aprovasse", afirma Vera.
Ela também trabalha na reedição das obras completas do pai, que incluem, além da ficção, ensaios e artigos jornalísticos.
No Brasil, a única obra traduzida da longa carreira do autor é "Os Pichiciegos" (Casa da Palavra).
"[Acho isso] Uma pena. A relação que meu pai tinha com o Brasil era de imenso carinho e admiração. Quem sabe agora surge um interesse em levar sua obra para lá", afirma a filha do escritor.
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