sábado, 1 de junho de 2013

Endurecer a lei resolve o problema das drogas? - Tendências/Debates

folha de são paulo
RAFAEL CUSTÓDIO E RAFAEL DIAS
TENDÊNCIAS/DEBATES
Endurecer a lei resolve o problema das drogas?
NÃO
Drogas e pobreza
A Câmara dos Deputados aprovou nesta semana o texto base do projeto de lei nº 7.663/10, do deputado Osmar Terra (PMDB-RS). Representa um dos maiores retrocessos legislativos dos últimos tempos quanto ao impacto da lei de drogas no sistema prisional e na Justiça criminal.
Como se não fosse evidente o fracasso da atual política de encarceramento em massa, em muito resultante da atual legislação antidrogas, as propostas em questão reforçam e aprofundam a ótica punitiva e seletiva do Estado sobre o tema.
A população carcerária brasileira já é a quarta maior do mundo (550 mil). Temos também a terceira maior taxa de encarceramento. Desde 2005, um ano antes da promulgação da atual Lei de Drogas, a população prisional por tráfico saltou de 33 mil (11% do total) para 138 mil (25% do total).
Pesquisas recentes demonstram que a maior parte das pessoas presas por crimes relacionados a drogas são homens, jovens entre 18 e 29 anos, negros e pardos, com escolaridade até o primeiro grau completo e sem antecedentes criminais.
O que se vê é que o suposto combate às drogas é na verdade um instrumento eficaz de criminalização da pobreza e da juventude negra.
Além disso, esse jovem é em geral preso sozinho, sem arma, com pouca quantidade de droga e sem que tenha havido qualquer atividade de inteligência policial para a sua prisão (são presos, via de regra, nas "rondas" das Polícias Militares).
Não há, portanto, verdadeira articulação estratégica no combate ao tráfico e suas redes, mas tão somente a prisão de usuários como traficantes ou de pequenos traficantes, facilmente substituídos na estrutura do crime quando presos.
Diante desse quadro, soam irreais as propostas em questão que estabelecem novos aumentos de pena e um suposto critério de distinção entre usuário e traficante, absolutamente subjetivo, e que, portanto, perpetua a lógica seletiva da Justiça criminal. A previsão de penas proporcionais ao "grau de dependência" do entorpecente, além de tecnicamente discutível, acaba punindo ainda mais os já marginalizados usuários de crack.
O texto insiste na fracassada concepção de internações como política prioritária para lidar com usuários ou dependentes químicos. Vai em desacordo com a Lei da Reforma Psiquiátrica, que prevê internações somente quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes. Da ONU ao Ministério da Saúde, da Organização Mundial da Saúde ao Conselho Federal de Psicologia, todos recomendam exatamente o oposto.
A cereja do bolo é a previsão de ampliação maciça do atendimento aos usuários/dependentes pela rede privada onde não houver equipamentos públicos adequados --lucro fácil no Brasil-- e comunidades terapêuticas religiosas. Previsão de difícil digestão para os que prezam por um Estado laico e garantidor das liberdades individuais.
Como se vê, não é à toa que o projeto de lei e seu substitutivo têm gerado um caminhão de críticas em diversos setores da sociedade, aparentemente ignoradas pelos nossos representantes.
De qualquer modo, ainda dá tempo para que o debate seja ampliado, também sob a ótica daqueles que vêm sendo historicamente o alvo preferencial da política nacional antidrogas: os jovens, negros e pobres.
Se o direito penal é o direito dos pobres, porque sobre eles, exclusivamente, recai sua força (Heleno Fragoso), vê-se que os nossos deputados almejam prestar relevantes serviços ao fortalecimento desse "privilégio". Com a palavra, o Senado Federal.

    OSMAR TERRA
    TENDÊNCIAS/DEBATES
    Endurecer a lei resolve o problema das drogas?
    SIM
    Premissas erradas
    O argumento central de quem defende a liberação das drogas parte de premissas erradas. Dizem que travar uma guerra contra as drogas nada resolve. Falam que, desde que foi promulgada a lei nº 11.343, de 2006, a pena mínima para traficantes aumentou de três para cinco anos, o número desses criminosos presos triplicou, mas o tráfico não diminuiu.
    Seria, portanto, um mal menor liberar. Esvaziaria as prisões, acabaria com o tráfico, geraria mais impostos. Mas como explicar que um aumento de 60% no tempo de pena tenha gerado crescimento de 300% no número de traficantes presos?
    Na verdade, a causa maior, não admitida nos discursos liberacionistas, é a explosão da epidemia do crack. De 2006 para cá, aumentou muitas vezes a oferta da droga, o número de dependentes químicos e, por consequência, de traficantes.
    No Rio Grande do Sul, em 1998, comemorávamos não haver qualquer registro de uso do crack. Em 2008, estimávamos que mais de 1% dos gaúchos (ao redor de 110 mil) virou refém dessa droga. De lá para cá, o número só aumentou.
    Em todo o Brasil, a maior causa de pedidos de auxílio-doença do INSS sempre foi o alcoolismo. Até 2006. Em 2012, o crack e a cocaína já eram responsáveis por 2,5 vezes mais auxílios-doença que o álcool.
    Pesquisas da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) apontam que, em 2011, já tínhamos 2,8 milhões de usuários de crack e cocaína. E entre os 3,8 milhões de usuários de maconha, 2 milhões também usavam crack simultaneamente.
    Com base nos números do Ministério da Saúde, pode-se deduzir que o crack é a maior causa, direta ou indireta, de mortes de jovens de 15 a 25 anos no país. A droga também é a maior causa, direta ou indireta, de homicídios. No mundo, o Brasil já é o maior consumidor de crack (segundo a Unifesp) e o recordista de homicídios (segundo a ONU).
    Comprovando a gravidade dessa epidemia, constatamos que, apesar do extraordinário aumento de consumo e da apreensão de drogas, de 2006 para cá, o preço da pedra de crack não aumentou. Isso significa que a oferta, que gera a epidemia, é colossal. Isso se deve em grande parte às extensas fronteiras que temos com todos os produtores de coca do mundo.
    Liberar drogas nessas circunstâncias seria trágico. Hoje, os dependentes de drogas legais, como álcool e tabaco, chegam perto de 50 milhões. Estima-se serem 6 milhões os dependentes das drogas ilícitas. E o número só é menor por serem criminalizadas. Se liberadas, rapidamente seus dependentes chegariam, em número, aos patamares das drogas lícitas. Uma tragédia humana inimaginável.
    A lógica da epidemia viral vale para todas as drogas. Quanto mais vírus circulando, mais doentes. Quanto maior a oferta de drogas, mais dependentes químicos, que se tornarão doentes crônicos.
    Diante de tão grave problema, necessitamos de ações à altura. Quando a epidemia do crack chegou a níveis avassaladores nos EUA, durante a década de 80, o governo aumentou o rigor das penas e a oferta de tratamento. Hoje, existem menos dependentes do crack lá do que no Brasil, e o número de homicídios caiu à menos da metade.
    Situação semelhante ocorreu na Suécia, na década de 60, quando todas as drogas eram liberadas. Aumentando o rigor das punições, passou a ser o país da Europa com menor número de dependentes necessitando tratamento e com as menores taxas de acidentes de trânsito e de homicídios.
    A epidemia das drogas é problema complexo que não se resolve num passe de mágica. Precisamos de medidas firmes e abrangentes, mantidas por longo tempo, para contê-lo. Daí uma lei que aumente o rigor como a proposta do projeto de lei nº 7.663/10, e não uma que libere. Que o governo dê a prioridade que o assunto exige.

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