Fernando Reinach - O Estado de S.Paulo
Existe uma janela que nos permite observar o que se passa em nossa mente enquanto dormimos. São os sonhos. Quando acordamos, muitas vezes temos a impressão de que tivemos sonhos longos e complexos. Outras vezes nos lembramos somente de uma cena ou de uma sensação. Mas a verdade é que não sabemos exatamente quando o sonho foi criando por nossa mente. Ele pode ter se formado nos últimos momentos antes do despertar, horas antes, ou imediatamente no momento em que acordamos.
O que sabemos com certeza é que, se a pessoa for acordada em certos estágios do sono (por exemplo quando os olhos se movem rapidamente), ela é capaz de relatar que estava sonhando. Em outros estágios do sono, relata que não estava sonhando. Mas isso não é uma prova que não estava sonhando, afinal reportamos somente o que nos lembramos.
Para compreender o que se passa durante a formação dos sonhos, é necessário um método capaz de "ler" nossos sonhos independentemente do que reportamos ao despertar. Foi exatamente isso que um grupo de cientistas japoneses conseguiu desenvolver: um método capaz de decodificar nossos sonhos a partir de nossa atividade cerebral.
Equipamentos de ressonância, semelhantes aos usados em hospitais, são capazes de medir a atividade de cada área do cérebro. Faz anos que os cientistas são capazes de associar a ativação de certas áreas do cérebro a um tipo de pensamento ou visão. Olhar para um cachorro ativa certos grupos de neurônios, sentir medo ativa outro grupo, e assim por diante. Foi com base nessas descobertas que foi possível desenvolver o método de ler sonhos.
Teste. Três voluntários concordaram em dormir dentro de uma máquina de ressonância, ligados a um eletroencefalógrafo capaz de detectar quando os voluntários adormeciam. O voluntário deitava no equipamento de ressonância e tentava dormir enquanto a ressonância media a cada segundo a atividade de todas as regiões do cérebro. Assim que ele adormecia, os cientistas acordavam a pessoa e pediam para ela relatar o que estava sonhando. Ela relatava oralmente e voltava a dormir. Quando estava dormindo novamente, os cientistas esperavam cinco minutos e o coitado era acordado e relatava o sonho. Dessa maneira, os cientistas obtiveram o relato de 672 sonhos de três voluntários e simultaneamente a atividade de todas as regiões do cérebro nos minutos e segundos que antecederam o despertar e o relato do sonho.
Usando esses relatos, os cientistas identificaram as palavras e imagens mais frequentes. Com os voluntários acordados, as imagens relacionadas às palavras foram mostradas e, simultaneamente, a atividade cerebral foi medida. Com base em todos esses dados, um computador foi programado para aprender a associar padrões de atividade cerebral a certos grupos de imagens e palavras e a organizar esses padrões ao longo do tempo. Os seja, descrever o sonho.
Em um segundo passo, os cientistas submeteram ao computador somente os dados obtidos pelo equipamento de ressonância (a atividade de cada região do cérebro) durante os nove segundos que antecederam o despertar do voluntário e pediram para o computador descrever o que o voluntário estava sonhando. O resultado é impressionante: o computador gerou uma descrição do sonho. A descrição do computador foi comparada ao que os voluntários descreviam ao acordar. Nos casos em que o sonho era principalmente visual, com imagens vívidas o computador foi capaz de fazer previsões muito precisas e acertou 80% dos sonhos. Veja um exemplo:
Computador: "Imagem de um homem, comida, carro na rua". Relato do voluntário: "Um homem estava procurando comida em um carro estacionado na rua".
Medo. Quando os sonhos envolviam o sentimento "estava com medo de algo desconhecido", o computador acertava muito menos, mas na média o conteúdo de 60% dos sonhos foi decodificado corretamente pelo computador.
É claro que esses resultados ainda representam o início de uma nova linha de investigação e, no estado atual da tecnologia, o computador claramente não é capaz de descrever a riqueza de detalhes que caracteriza os sonhos de cada um de nós. Mas é impressionante que sejamos capazes de ter uma primeira ideia do que uma pessoa está sonhando antes de ela acordar.
Esse resultado comprova de maneira experimental o que já suspeitávamos: que o sonho que nos lembramos ao acordar é o que estávamos sonhando imediatamente antes de acordarmos.
Mas essa tecnologia também abre novas possibilidades. É possível identificar o conteúdo de todos os sonhos que são gerados durante uma noite (mesmo os que não nos lembramos) e o conteúdo de sonhos que, por serem muito assustadores ou estranhos, não somos capazes de lembrar.
Sem dúvida, essa nova tecnologia aumenta muito a janela que nos dá acesso ao inconsciente. Freud ia gostar dessa possibilidade.
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