quarta-feira, 19 de junho de 2013

Frei Betto - Todos sob controle‏

Os documentos comprovam que a Agência Nacional de Segurança burla inúmeras leis dos EUA, e é protegida por "leis secretas" 


Frei Betto

Estado de Minas: 19/06/2013 


O novo herói da transparência democrática se chama Edward Snowden, tem 29 anos, e nasceu em Maryland, vizinho do Fort Meade, sede da poderosa NSA (sigla em inglês para designar a Agência de Segurança Nacional dos EUA). Ele nunca completou o ensino médio e foi dispensado do serviço militar, em 2003, devido a um ferimento. Como demonstrava grande talento para a informática, a CIA o recrutou.

Agora ele se encontra refugiado em Hong Kong por denunciar, com provas, que o governo dos EUA, por meio da NSA, controla a vida privada de milhões de cidadãos. Os jornais The Guardian, britânico, e Washington Post, estadunidense, publicaram documentos sobre o projeto Prisma, vazados por Snowden em maio. Ele trabalhava para empresas contratadas pela NSA, como a Dell, e nos últimos meses, para a Booz Allen Hamilton.

Os documentos comprovam que a NSA tornou-se o verdadeiro Big Brother, descrito no célebre romance 1984, de George Orwell. Ela pode entrar em seu e-mail, gravar todos os seus telefonemas, apropriar-se de todos os dados de seu cartão de crédito, como já vem monitorando a vida privada de quase 5 milhões de cidadãos. Segundo Snowden, basta conhecer o e-mail de uma pessoa para se ter acesso a todo o conteúdo do computador dela.

Com a invenção do Facebook já não é preciso recrutar espiões. Muitos usuários descrevem ali sua rotina diária, preferências e até intimidades amorosas. Mark Zuckerberg, seu inventor, admite que “utilizamos as informações (divulgadas pelos internautas) para prevenir atividades potencialmente ilegais.” Todo adepto do Facebook, ao clicar seu acordo às normas, aceita que todos os seus dados sejam “transferidos e estocados nos EUA”.

“Não quero viver num mundo em que tudo que faço e digo fica registrado”, justificou-se Snowden. Acrescentou que agiu assim porque “progressivamente tomei consciência de que os presidentes podem mentir para se manter no poder e ignorar suas promessas públicas sem consequências.”

O governo Obama não sabe onde enfiar a cara. Os documentos comprovam que a NSA burla inúmeras leis dos EUA, além de ser protegida por “leis secretas”, recurso que, ao arrepio dos princípios do direito, é adotado pelas ditaduras. A esperança de Snowden é que a Justiça de seu país venha a contestar a vigilância eletrônica praticada em larga escala pela NSA.

Edward Snowden ingressa, agora, na seleta lista dos whistleblowers (acionadores de alertas). Um dos mais famosos deles é Daniel Ellsberg, funcionário do Departamento de Estado que, em 1971, vazou os papéis do Pentágono denunciando o verdadeiro caráter da Guerra do Vietnã. Na época, ele trabalhava para a Rand Corporation, um instituto de pesquisa estreitamente vinculado aos serviços secretos estadunidenses.

Ellsberg fez vazar 43 volumes ultraconfidenciais, com 7 mil páginas, provando que, de Eisenhower a Nixon, todos os presidentes mentiram sobre o envolvimento dos EUA no Vietnã. Isso fez mudar a opinião pública, que, a partir de então, passou a exigir o fim da guerra, que terminou com a derrota de Tio Sam. Nixon ficou tão furioso que, após ofender a progenitora do denunciante, mandou invadir o consultório do psiquiatra dele, em busca de informações que pudessem desacreditá-lo, e tentou colocar LSD em sua sopa. O processo se encerrou em 1973, quando a defesa de Ellsberg comprovou que houve escutas ilegais e “provas” fabricadas. Hoje, aos 82 anos, ele defende os jovens acionadores de alertas.

Outro é Bradley Manning, analista militar no Iraque que, aos 22 anos, repassou ao WikiLeaks de Julian Assange 700 mil documentos. Como Snowden e Manning, funcionários subalternos, puderam ter acesso a documentos ultrasecretos? A resposta, segundo analistas, é o pânico que tomou conta dos EUA após a queda das Torres Gêmeas, em 2001. A pressa em recrutar agentes para os serviços de espionagem impede uma seleção mais criteriosa.

“Uma de nossas obrigações é garantir que os EUA permaneçam seguros”, declarou a senadora democrata Dianne Feinstein após a denúncia de Snowden. Obama não foi menos enfático: “É preciso admitir que não se pode ter 100% de segurança e, ao mesmo tempo, 100% de privacidade e nenhum inconveniente.”

Eis a consagração do Estado policial, capaz de controlar todos os seus cidadãos. O medo do terrorismo doméstico faz com que, hoje, 56% dos estadunidenses apoiem a vigilância telefônica e eletrônica da população. Temos, então, um arremedo de democracia. Uma democracia sem liberdade e privacidade. Comprovar que democracia e liberdade individual não são compatíveis é, sem dúvida, uma vitória de Osama bin Laden. 

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