quarta-feira, 19 de junho de 2013

Isaias Raw e Edison Lobão no Tendências/Debates

folha de são paulo
ISAIAS RAW
TENDÊNCIAS/DEBATES
A importância de produzir vacinas
O Instituto Butantan não pode aplicar o modelo "coca-cola". Deve inovar para não ser dependente de produtos estratégicos essenciais
Quando surgiu o vírus da influenza H1N1, semelhante ao que, em 1918, matou 50 milhões de pessoas, o mundo se assustou. Todas as crianças, mulheres grávidas, idosos e o pessoal da saúde teriam que ser vacinados, mas não havia fábricas para atender a todos.
Os países mais avançados, onde estavam os centros de produção, reservariam as vacinas para a sua própria população! Mais de uma vez, nas reuniões da Organização Mundial da Saúde, fui o porta-voz da população que vivia nos países em desenvolvimento, que não poderia para pagar US$ 10 por uma vacina. (Passado o perigo, o preço caiu a um terço para uma vacina tripla.)
Fiz ver que o Primeiro Mundo afundaria junto sem sem matérias-primas nem mercado. Generosamente, o cartel de poucas empresas reservou um décimo da produção para dois terços da humanidade.
A influenza H1N1 rapidamente se espalhou pelo globo e, mesmo menos agressiva, ainda mata muitos.
Poucos anos antes, o alarme surgira com a influenza aviária H5N1, que matou poucas pessoas, mas poderia ter atingido milhões se não tivesse havido controle. O Vietnã matou todos os seus frangos e patos. Se o vírus tivesse alcançado o Brasil, teríamos destruído uma indústria que produz 6 bilhões de frangos. Teríamos eliminado milhões de empregos e um dos principais produtos de exportação, e o Primeiro Mundo teria ficado sem frangos.
O Butantan se adiantou. Montei, em regime de emergência, num prédio com mais de 50 anos, um piloto que começou a treinar técnicos e produzir a vacina H5N1 em caso de algum viajante trazer o vírus. Construímos uma fábrica, que, como todos os projetos públicos, levou anos para ser erguida. Ela deveria produzir a vacina, que muda a cada ano, para aplicação em idosos.
Enquanto a fábrica não estava pronta nem aprovada pela Anvisa, formulamos três sorotipos de vacinas importadas a granel para fornecer cerca de 200 milhões de doses ao Ministério da Saúde.
Finalmente, em 2012, produzimos 15 milhões de doses, que a Anvisa, por razões "técnicas", não aprovou. Gastamos US$ 45 milhões para, de novo, fazer o que os outros laboratório fazem: comprar o granel e formular --o modelo "coca-cola" de importar o xarope, diluir e rotular, sem controle do custo, sem aprender a fazer e, pior, sem inovar, ficando eternamente dependente de produtos estratégicos essenciais.
Quando a influenza H1 se esparramou pelo mundo, não bastava vacinar 20 milhões de idosos. Tornou-se necessário vacinar crianças, gestantes, operários e médicos, enfermeiros, policias e bombeiros.
A fábrica que começou a operar com a licença da Anvisa há três meses foi prevista para, usando 20 milhões de ovos galados onde os vírus se reproduzem, produzir 20 milhões de vacinas triplas. Agora a demanda aumentou para 40 a 80 milhões de doses de vacinas.
Inovamos. Descobrimos como fazer uma adjuvante que permite usar um quarto da dose da vacina, reduzindo a um quarto o seu preço. O Butantan poderá produzir os 80 milhões em 2015-6! Desenvolvemos uma vacina com o vírus inteiro, que duplica a produção para 160 milhões. Atenderemos o norte do Brasil e sobrará para países vizinhos.
    EDISON LOBÃO
    TENDÊNCIAS/DEBATES
    Um marco histórico
    As mudanças propostas por Dilma são mais do que ajuste de alíquotas. Trata-se de uma profunda mudança cultural no setor da mineração
    Para dotar o país de uma legislação adequada à realidade do Brasil e do mundo, com instrumentos que assegurem um ambiente de estabilidade regulatória e, ao mesmo tempo, preservem o interesse nacional, a presidenta Dilma Rousseff acaba de encaminhar ao exame do Congresso Nacional projeto de lei sobre o novo marco legal da mineração.
    O setor mineral, que compreende as etapas de geologia, mineração e transformação mineral, é essencial para o processo continuado de desenvolvimento do Brasil. Mas há, hoje, um consenso: a legislação atual, instituída em 1967, não mais atende às exigências do presente.
    O Código Mineral em vigor estabeleceu um sistema de outorga sob o qual as demandas para efetividade dos empreendimentos ficam submetidas a exigências burocráticas,que resultaram em adiamentos e entraves. Ressente-se o setor da ausência de instrumentos de gestão pública para o aproveitamento racional e competitivo dos recursos.
    A atividade mineira, como se sabe, é complexa, em face do elevado risco na fase de exploração ou pesquisa mineral, do longo prazo de maturação dos investimentos e do elevado aporte de recursos necessários.
    A implementação de um novo modelo para o setor começa, portanto, com uma reflexão sobre o papel do Estado enquanto regulador e, sobretudo, planejador.
    Nesse sentido, a proposição de nova política e o planejamento setorial serão, de acordo com esse modelo, recomendados por um Conselho Nacional de Política Mineral (CNPM), órgão de assessoramento da Presidência da República, a ser criado. As políticas fixadas deverão ser indutoras da eficiência e de investimentos privados, de maneira a fortalecer a participação da mineração na economia nacional.
    O art. 174 da Constituição Federal estabelece que compete ao Estado exercer, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo, planejamento e regulação da atividade econômica.
    Dessa forma, a outorga de bens minerais, que hoje ocorre mediante concessão de lavra, dar-se-á por meio de rodadas de licitação, que atuarão como instrumento de política pública, ao considerar o momento, a conveniência e o interesse nacional. O título será único para pesquisa e lavra, com prazo de 40 anos, renováveis por 20 anos, sucessivamente. Para as áreas não classificadas pelo CNPM, haverá chamada pública. Além disso, algumas cadeias produtivas, como agregados para a construção civil, rochas ornamentais e água mineral, requerem tratamento diferenciado. Por isso, para o acesso a elas, haverá dispensa de licitação.
    Em atenção ao mesmo preceito constitucional que define o papel do Estado como indutor do desenvolvimento setorial, o projeto de lei encaminhado ao Congresso prevê a criação de novo órgão de regulação, na forma de uma autarquia especial --a Agência Nacional de Mineração.
    Nova sistemática para aplicação da Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais (CFEM), com regras que aprimoram o sistema de arrecadação, será estabelecida para assegurar mais justo retorno à sociedade.
    O governo propõe um modelo de política mineral para o desenvolvimento nacional sustentável, capaz de gerar empregos e melhorar a renda da população, com inclusão social. Essa política assegura estabilidade legal e regulatória, transparência, participação dos agentes setoriais, responsabilidade socioambiental e a atração de investimentos, com regras claras e respeito absoluto aos contratos.
    As mudanças propostas pela presidenta da República significam muito mais do que um ajuste de alíquotas. Trata-se de uma profunda mudança cultural no setor. Uma mudança que representará o aumento da capacidade pública de planejamento do patrimônio mineral, com compromisso social, regional e ambiental. Enfim, um marco na história da mineração brasileira.

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