Luciane Evans
Estado de Minas: 19/06/2013
Exatamente às 2h04 de sexta-feira, o inverno vai bater à porta dos brasileiros. E apesar da elegância das roupas, dos chocolates e da vontade deliciosa de ficar embaixo das cobertas, a estação carrega a reboque perigos imperceptíveis a olho nu. E nem é preciso esperar o inverno para correr esses riscos, já que no outono eles têm mostrado suas garras. Não se trata das doenças respiratórias, mas de males que afetam a saúde ocular, como crises alérgicas e a síndrome do olho seco. Além disso, os dias nublados e frios servem como gatilho para degeneração da retina e envelhecimento dos olhos, acelerando, então, a velha conhecida catarata. Para os especialistas, o período exige cuidados imprescindíveis, caso contrário, a visão pode sofrer consequências graves, como, em casos extremos, a cegueira.
Reconhecendo que os males não são causados pelo inverno, mas acentuados nessa estação mais fria, os oftalmologistas começam a se preparar para a corrida de pacientes aos consultórios. Quem sofre parece lembrar da especialidade só agora. Isso porque, de acordo com pesquisa feita em 2012, pela Sociedade Brasileira de Glaucoma, 36% dos brasileiros adultos nunca foram a um oftalmologista. Mas é quando as temperaturas caem que os olhos pedem socorro. “Durante o inverno, é preciso estar atento a dois problemas muito frequentes da visão: a síndrome do olho seco e a conjuntivite. Como a estação costuma ser mais fria e seca nas regiões Sul e Sudeste, o problema é mais frequente também nesses estados, como Minas Gerais”, alerta Renato Neves, cirurgião-oftalmologista, diretor do Hospital de Olhos Eye Care, em São Paulo.
De acordo com a Associação dos Portadores de Olho Seco, não há dados precisos sobre a incidência da doença na população brasileira em decorrência, principalmente, da ausência de método bem definido de diagnóstico clínico para o olho seco. “Alguns estudos epidemiológicos nos EUA sugerem que o mal atinja aproximadamente 10% da população geral, ou seja, cerca de 20 milhões de pessoas sofrem com a doença no Brasil”, diz a entidade. Fatores como baixa umidade do ar, ambientes fechados, ar-condicionado (de ambientes e automóveis) e altas concentrações de poluição atmosférica contribuem, de acordo com Renato Neves, para falta de lubrificação adequada dos olhos – importante para manter a saúde ocular e uma boa visão. “Afinal, as lágrimas não apenas limpam os olhos, os livrando da poeira e partículas que ficam suspensas no ar, como também contribuem para que a córnea receba os nutrientes e o oxigênio necessário para se manter livre de doenças”.
Segundo explica o oftalmologista do Hospital dos Olhos Dr.Ricardo Guimarães e preceptor da Fundação Hilton Rocha, de Belo Horizonte, Anderson Giovanni Ferreira, nem todos vão desenvolver a síndrome do olho seco, mas para as pessoas que têm deficiência ou produção ineficiente de lágrimas, disfunção nas pálpebras ou ainda, doenças de base, como artrite, a síndrome do olho seco se acentua no inverno. A anomalia pode provocar o ressecamento da superfície do olho, da córnea e da conjuntiva. E essa condição é conhecida como a síndrome do olho seco, que acomete especialmente as mulheres mais velhas. Os sintomas mais comuns, de acordo com Renato Neves, são vermelhidão, ardor, coceira, sensação de areia nos olhos e visão embaçada. “Pessoas com mais de 65 anos, normalmente, experimentam esses episódios com mais frequência ou ainda de forma crônica. Mas, durante o inverno, qualquer um está sujeito a essas alterações”, avisa.
ALERGIAS A situação pode se tornar um ciclo vicioso diante de outro problema, as alergias. É comum, segundo destacam os oftalmologistas, a ocorrência de conjuntivite alérgica nesse período do ano. É mais frequente em pacientes com histórico de doenças das vias respiratórias, como asma e bronquite. “As conjuntivites infecciosas também são comuns nesta estação, já que as pessoas costumam se aglomerar nos espaços de estudo, transporte, trabalho e lazer. Neste caso, elas se distribuem entre conjuntivite bacteriana e viral – essa responde por mais de 90% dos casos e tem caráter epidêmico por ser altamente contagiosa”, diz Anderson Giovanni. A situação se torna um ciclo a partir do momento em que os antialérgicos alteram a produção de lágrimas, assim como os remédios para hipertensão, o que pode acarretar na síndrome do olho seco.
Independentemente do mal, os cuidados sãos os mesmos. “Os alérgicos, que sabem da propensão de desencadear uma crise neste período, devem evitá-la, procurando estar longe do que acentua o problema”, defende Anderson. Ele diz que o uso de lubrificante para os olhos é uma boa solução para quem sofre com os problemas, porém, deve ser receitado pelo médico. “Haverá coceira, inchaço, o que, emergencialmente, pode ser solucionado com um colírio lubrificante para aliviar os sintomas, mas ele não vai resolver o problema, seja uma alergia ou a síndrome do olho seco. Por isso, é importante fazer a consulta com o oftalmologista”, acrescenta.
O hábito simples de lavar as mãos, ao longo do dia, também é importante para evitar contaminação “Além de evitar lugares muito cheios, é bom evitar levar as mãos aos olhos depois de tocar objetos que outras pessoas já tocaram. Os vírus da conjuntivite sobrevivem por até 72 horas, sendo suficiente para espalhar a doença para muito mais gente”, avisa Renato.
Inimigo invisível
Os perigos da estação para os olhos não param por aí. De acordo com a coordenadora do Laboratório de Pesquisas Aplicadas à Neurovisão da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Caroline Alencar, que atua também como neurocientista no Hospital de Olhos Dr. Ricardo Guimarães, o inverno é um inimigo invisível. Isso porque, sendo a luz uma onda eletromagnética, só uma parte é visível pelo ser humano, o que seria uma estreita faixa de luz emitida pelo Sol . “Enxergamos uma faixa estreita e o resto de luz é composto por outras ondas, como os raios ultravioletas (UV). O UV é três vezes maior do que essa faixa”, compara. Caroline explica há três tipos ultravioleta: C,B e A. O primeiro seria o mais danoso, porém, ele não chega até a Terra por causa da proteção da camada de ozônio. Já o segundo tipo é responsável pelas queimaduras na pele, porém, é absorvido em parte pela camada de ozônio.
O tipo A é o que exige atenção. Presente o ano inteiro, o raio penetra profundamente na pele e nos olhos. Para a oftalmologia é um tipo perigoso. “No inverno, nossos olhos estão menos protegidos, porque nossa pupila se dilata, já que os dias são mais escuros. Ao dilatar, mais luzes entram nos olhos e as pessoas não usam óculos escuros”, avisa. Caroline esclarece que o tipo A degenera a retina, matando ali as células dessa parte do olho humano. “Além disso, é um gatilho para a catarata.”
Isso porque os raios causam danos às lentes naturais oculares, como a córnea e o cristalino. “Os raios aceleram o envelhecimento dos olhos, causando a catarata. Quando estamos no verão, usamos mais os óculos porque há mais presença da luz vísivel. Já no inverno, com dias nublados e frios, a proteção é esquecida. Isso é um dano a longo prazo que pode causar, inclusive, a cegueira”, alerta, acrescentando que em lugares onde há neve o perigo é ainda maior. “O inverno pode dar início a doenças graves que podem ser percebidas tarde demais”, ressalta.
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