quinta-feira, 25 de julho de 2013

Debate com a direita - Marcelo Mitherhof

folha de são paulo
Debate com a direita
Não sou a favor de distribuir renda por ser bonzinho, mas porque é o melhor jeito de tornar o Brasil mais rico
Luiz Felipe Pondé, em sua coluna na Folha de 08/07/2013, convida a esquerda a discutir o Brasil com os conservadores, parando com os xingamentos mútuos. Com um certo atraso, aceito o convite.
Pondé se define como liberal-conservador. Vale tentar explicar o sentido do termo, algo contraintuitivo.
O liberalismo é político, com destaque para os direitos individuais: liberdades de expressão e religiosa, pluralismo moral, emancipação feminina, direitos gays etc.
O conservadorismo se refere, entre outras coisas, à economia, caracterizada por um outro liberalismo, o econômico, em que o mercado tem um papel central e extremo, dado pela máxima "vícios privados, virtudes públicas", que sintetiza a crença na livre iniciativa como o vetor do desenvolvimento: não se culpe por agir visando seu estrito interesse próprio, pois o resultado é bom para todos.
Estamos de acordo quanto às garantias civis como parte essencial da democracia e para que o país seja um lugar mais legal de viver.
As bandeiras libertárias foram no Brasil historicamente levantadas pela esquerda. Talvez isso se deva ao fato de a direita brasileira ter sua raiz num conservadorismo agrário pré-capitalista. Isso não significa que essas bandeiras sejam exclusivas da esquerda e tampouco que todos nela sejam politicamente liberais. Além disso, é inegável que as liberdades individuais foram inventadas pelas revoluções burguesas.
As diferenças surgem na economia. A visão conservadora prega o Estado mínimo, que provê só serviços essenciais, como educação e segurança, para equalizar as oportunidades a partir das quais os indivíduos buscarão seu interesse. Profissionais liberais e pequenos empresários seriam a força do capitalismo.
O problema é que, apesar de boas sacadas quanto ao poder da competição e da busca do lucro, não é assim que o capitalismo funciona melhor.
Por exemplo, grandes empresas são mais eficientes. O poder de mercado torna mais fácil acumular recursos para inovar. Como dizia Schumpeter, um carro pode correr porque tem freios.
O Estado também tem papel central na economia. Os gastos públicos estabilizam o capitalismo, criando uma demanda que impulsiona o investimento e, as sim, a produtividade. Além disso, para a esquerda, distribuir renda não é somente um valor moral, mas também uma forma de acelerar o crescimento: pobres consomem mais os ganhos adicionais que obtém.
A principal diferença entre direita e esquerda está na ênfase que cada uma respectivamente dá à competição e à cooperação.
Essas são formas de interação em alguma medida sempre presentes nas relações humanas. Exagerar na ênfase numa ou outra direção cria problemas. Sem cooperação, a força inovadora do capitalismo é desagregadora, como ocorreu até a crise de 29. Sem competição, o comunismo foi pouco dinâmico e repressor.
O Estado de bem-estar social foi uma inovação pública que consolidou a força do capitalismo ao torná-lo mais equilibrado, mas exageros cooperativos também ocorrem. Por exemplo, há casos de seguro-desemprego na Europa em que é demasiadamente pequena a diferença entre trabalhar ou não.
Claro, a dosagem entre competição e cooperação não tem receita pronta, abrindo espaço para debates e experimentações.
Por fim, uma boa questão levantada pelo liberal-conservadorismo é se haveria uma contradição entre o intervencionismo econômico e as liberdades individuais.
Não creio. Defender o Estado de bem-estar social é de meu interesse individual. Não sou a favor de distribuir renda por ser bonzinho, e, sim, porque é o melhor jeito de tornar o Brasil mais rico e porque uma sociedade mais equilibrada é boa para mim. Afinal, viver em meio a uma grande pobreza me põe sob risco.
O bem comum atende a interesses próprios menos imediatos. Um exemplo banal é o das regras de trânsito. Furar o sinal vermelho faz a pessoa chegar mais rápido ao destino. O risco de acidente é baixo. Porém basta dirigir no Rio para verificar que a busca de um interesse próprio estrito pode ser pior para todos.
Além disso, a economia é só um meio de criar as condições da liberdade. A liberdade das sarjetas tem seu charme, mas é para poucos. Para ser livre, é preciso contar com itens de consumo básicos da modernidade --geladeira, TV--, além de educação, viajar etc. O capitalismo regulado é a melhor maneira de propiciar essas coisas a todos.
marcelo.miterhof@gmail.com

    Nenhum comentário:

    Postar um comentário