Colunista ninja?
Quem faz parte do clube da rede social se deixa manipular muito além do que jamais poderia calcular
Não conte a ninguém, fica sendo um segredo só nosso, mas eu sou a Mídia Ninja que comete jornalismo a partir do interior de uma Redação. Sou uma representante ninja "embedded". Estou infiltrada nesta Folha há quase 30 anos fazendo jornalismo "caseiro", ninja style, sem ter sido descoberta.
E digo a você: esse pessoal das manifestações, que acha que descobriu a pólvora de um "jornalismo" mais "free", mais "social network friendly" não inventou nadica.
Se é questão de agir por impulso e paixão, o leitor já encontra isso aqui faz tempo. Com a diferença, é claro, que quando piso na bola, tomo cada puxão de orelha que só vendo. Muitas vezes, na frente de um juiz.
Ocorre que as coisas andam mudando e eu resolvi dar uma revitalizada no meu estilo pessoal para não deixar a dever à essa nova onda inspiradora que está transformando o país.
Não é mesmo? Quem não viu, nesta semana, que em vez de optar por se tratar no Hospital Sírio-Libanês, José Sarney ficou firme no Maranhão e foi tratar os pulmões no SUS local? E os pactos todos, como a renúncia voluntária de Renan, as reformas política, fiscal, eleitoral etc, a reestruturação da segurança pública, o afastamento do cargo de ministros de importância crucial que tenham parentes envolvidos em suspeitas de corrupção até que seja tudo investigado, tudo isso está andando a pleno vapor, não?
Percebe-se claramente que não tem mais esse negócio de o pessoal se apoiar num sistema eleitoral de voto obrigatório que funciona na base de tempo na TV e conta com alianças forjadas às custas do nosso dinheiro para continuar tudo como sempre foi, certo? Esse sopro de ar fresco renovador não está apenas em um punhado de garotões de classe média dispostos a azucrinar a porta da casa de um ou outro político, que tomará esta ou aquela medida paliativa de fachada. Arrasamos, brother, sister, uncle e dog!
Pois então, muito prazer, agora sou Barbara Shazam Spotify Instatwitcaster. A câmera do meu iPhone está de olho, meu dedo tem tique programado em 140 caracteres e eu sigo distorcendo as coisas que vejo e formando uma versão toda minha dos fatos.
E quer saber? Que se dane o bom-senso dos meus editores e do departamento jurídico da Folha. De hoje em diante, pretendo me virar muito bem sem eles.
A mim, o futuro. Semana passada, flagrei um casal de tuiteiros, do tipo "nojo da mídia", conversando sobre @barbaragancia. Um chamou-me de idiota. A moça perguntou: "Mas quem é essa tal?". Ele: "É colunista da Folha, BandNews FM etc". Ela reagiu: "Colunista? Isso ainda existe? rsrsrs!"
Pois é, para que serve uma colunista de jornal em um mundo em que a igualdade tomou a dianteira da representatividade depois que esta andou pisando na jaca com força?
Para complicar um pouco, em breve, ninjas e black blocs terão de encarar a razão cínica do mercado que está agindo nas redes sociais.
O fato de o usuário saber que anunciantes pesquisam seus gostos e costumes (como bem observou ontem nesta Folha a jornalista Sandra Muraki) para criar mecanismos de consumo mais eficientes não exime as pessoas de se deixar manipular.
Ou seja, além de outras desvantagens, como só ser encaminhado a ler tópicos de preferência, o que exclui todo o universo do inusitado ou de estar exposto a falsificações de todo tipo, o membro do clube da rede social ainda está sendo manipulado muito além do controle daquilo que jamais poderia calcular.
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