quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Beethoven manda seu 'abraçaço' - Sidney Molina

folha de são paulo
CRÍTICA - MÚSICA ERUDITA
Filarmônica de Bremen marca época em SP e Beethoven manda seu 'abraçaço'
SIDNEY MOLINACRÍTICO DA FOLHA"Há obras das quais se pode dizer que não só se preservam, mas têm uma história em que se desdobra o seu sentido". A frase de Carl Dahlhaus parece se aplicar ao ciclo das sinfonias de Beetho'ven (1770-1827) que acaba de ser apresentado pela Filarmônica de Câmara Alemã de Bremen em São Paulo.
Regida pelo estoniano Paavo Järvi, a orquestra interpretou os 37 movimentos que formam o legado de suas nove obras, em apenas quatro dias, para um público que lotou o Theatro Municipal e a Sala São Paulo.
Beethoven reinventou a sinfonia clássica. Suas construções frequentemente abdicam das melodias cantáveis, e a música passa a ser feita, por exemplo, sobre elementos como notas repetidas, arpejos ou intervalos.
Já no primeiro dia (1/8) viu-se como Järvi valoriza as minúcias e faz aflorar estruturas (como na "Segunda Sinfonia"), sem deixar de cuidar do som em si (como o espetacular pianíssimo no fim da "Sinfonia n.1").
Na "Terceira" foram marcantes a solenidade da marcha, a percussividade do scherzo e os encurtamentos e expansões das frases no finale.
Ainda na acústica aconchegante do Municipal, a sexta-feira (2/8) foi o dia perfeito. Järvi posiciona os músicos a partir dos instrumentos graves: contrabaixos à esquerda, violoncelos e fagotes no centro e tímpanos à direita sustentam o virtuosismo de violinos, violas, madeiras e metais.
Entre a "Quarta" e a "Quinta", a mudança na arte de Beethoven é brutal: a música parece escancarar as cicatrizes do espírito, há uma urgência inédita, como se --pela primeira vez-- o som saísse do corpo para tomar a cidade.
DISPERSÃO
A orquestra, porém, sentiu a mudança para a acústica luminosa, mas menos quente, da Sala São Paulo e, no sábado (3/8), algumas desconcentrações (somadas a um público mais disperso) mostraram que os músicos de Bremen também são humanos.
Ainda assim foi possível contemplar a "Pastoral" --tentativa irônica de recuperar uma era sem ironias-- e o beat desenfreado da "Sétima".
No domingo (4/8), entretanto, os gestos amplos de Järvi já haviam domado o som da Sala.
Foram muitos momentos memoráveis, da economia da "Oitava" à explosão dos dois temas da ode de Schiller no final da "Nona": é o "abraçaço" que, através dos tempos, Beethoven manda para os milhões de humanos.
    COMENTÁRIO - MÚSICA ERUDITA
    Série de concertos das nove sinfonias emociona plateia em quatro noites
    THAÍS NICOLETI DE CAMARGOESPECIAL PARA A FOLHAAmantes da música de concerto tiveram encontro marcado nessas quatro noites "beethovenianas". Eram pessoas de todas as idades reunidas para ouvir um conjunto de obras compostas no início do século 19, mas atemporais na exata medida de sua universalidade.
    É mesmo impossível não continuar se emocionando com a dramaticidade da "Quinta Sinfonia", com seu célebre "staccato" inicial, aquela inconfundível sequência já interpretada como as batidas do destino à nossa porta. Essa mesma sinfonia, aliás, será tocada pela Osesp nesta semana.
    É tentador buscar o significado da música para além do que é intrínseco à sua própria organização, mas nada nos garante êxito na tarefa de traduzir emoções em palavras. Que cada um sinta à sua maneira, já que a música fala principalmente à alma.
    Dirá Drummond, na linguagem da poesia, em versos dirigidos ao mestre: "Patética, heroica, pastoral ou trágica/ tua voz é sempre um grito modulado,/ um caminho lunar conduzindo à alegria".
    Esse grito modulado, síntese de inspiração com técnica, fez de Beethoven a referência para a música que se produziu depois dele.
    Fatos de sua vida, como a surdez que não o impediu de compor ou a célebre dedicatória da "Eroica" a Napoleão Bonaparte depois apagada da partitura, reforçariam a sua (merecida) aura de gênio.
    Perguntará Drummond ainda: "(...) que vens fazer, do longe de dois séculos, escuro Luís, Luís luminoso,/ em nosso tempo(...)?". Resta dizer que, ignorando supostas fronteiras temporais, vem trazer emoção a quem tiver ouvidos e coração bem abertos.
    E foi essa emoção que aflorou coletivamente nas quatro noites cujo ápice se deu na última, com a "nona", peça em que coro e solistas entoam versos da "Ode à Alegria", de Schiller. A obra é um portento de grandiosidade e eloquência, que a enxuta orquestra alemã fez soar com vigor no encerramento da série, na Sala São Paulo.
    Nesse espírito de alegria e elevação, músicos e maestro foram ovacionados pela multidão que mergulhou "" parafraseando Drummond "" num mar de música, para nele se afogar acima das estrelas.

      Nenhum comentário:

      Postar um comentário