Impositivo demais
Deputados fariam melhor se pusessem freio nos gastos obrigatórios do Orçamento, em vez de tentar fixar cota individual de emendas
A programação de despesas pode ser alterada apenas diante de imprevistos, como catástrofes ou quebra na receita de impostos. Mesmo nessas hipóteses, o desvio do script está sujeito a limites e à mediação do Legislativo.
A PEC em tramitação na Casa dos deputados, entretanto, tem objetivos mais provincianos. Tenta instituir uma cota anual de emendas por parlamentar, R$ 10 milhões por cabeça, cuja execução pelo Planalto seria obrigatória. Está mais para "bolsa emenda" do que para Orçamento impositivo.
O governo veria diminuído o seu poder de barganha, pois se vale da liberação discriminada de emendas para assegurar apoio em momentos decisivos no Congresso. Ficaria um pouco mais difícil, por outro lado, para o Executivo ajustar a dura realidade da arrecadação aos desejos fiscalmente irresponsáveis de congressistas, impressos na peça de ficção que uma vez por ano entregam ao governo.
A conta da "bolsa emenda" não parece tão salgada. Seriam R$ 6,2 bilhões ao longo de 12 meses, cerca de 0,5% do desembolso da União, que passa de R$ 1 trilhão.
Mas seria um meio ruim, pulverizado e de difícil fiscalização, de aplicar dinheiro dos impostos. O ideal seria privilegiar as emendas coletivas, pactuadas entre os congressistas de cada Estado e mais coerentemente inseridas em planos de desenvolvimento regional.
Emendas tratam sobretudo da despesa na infraestrutura, a rubrica mais sacrificada nos orçamentos, embora decisiva para o crescimento econômico. Quando se fixa uma cota para as emendas paroquiais, obriga-se o governo a sacrificar outros investimentos.
O Orçamento já é bastante impositivo. Despesas obrigatórias com manutenção da máquina, pessoal, juros e seguridade consomem mais de R$ 80 de cada R$ 100 gastos pela União. O quadro reflete escolhas sedimentadas da democracia brasileira ao longo de três décadas. Optou-se pela constituição de um colchão social extenso, mas incapaz de oferecer serviços de boa qualidade --limitado pela renda apenas média do Brasil.
Se os congressistas desejam transformar o Orçamento numa peça importante para o desenvolvimento do país, deveriam começar pela revisão das despesas obrigatórias. De sua diminuição relativa nos próximos anos depende a retomada de um ritmo confortável de aumento na renda nacional.
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Irã mais pragmático
Descontada a retórica nacionalista dirigida ao público doméstico, as primeiras atitudes do recém-empossado presidente iraniano, Hasan Rowhani, sinalizam disposição para fazer avançar o diálogo de seu país com potências ocidentais.
Não é pouco. Sob Mahmoud Ahmadinejad, o crescente isolamento internacional do Irã deixava pouca ou nenhuma perspectiva de solução negociada para o imbróglio nuclear. Embora seja cedo para fazer diagnósticos, é razoável apostar em mudanças no horizonte.
O gabinete nomeado pelo clérigo centrista Rowhani --ainda pendente de aprovação pelo Legislativo-- tem perfil tecnocrata e pragmático, características ausentes nos oito anos anteriores.
Muitos dos 18 ministros indicados --nenhuma mulher, é verdade-- já trabalharam no mandato de outro presidente moderado, Ali Akbar Hashemi Rafsanjani (1989-1997), apoiador de Rowhani.
O nome mais importante é o do diplomata Mohamad Javad Zarif, destacado para o posto de chanceler. Sua biografia surpreende: ele viveu praticamente a metade de seus 53 anos nos EUA, onde frequentou universidades e atuou como embaixador do Irã na ONU, de 2002 a 2007. Nesse período, conheceu pessoalmente membros do alto escalão norte-americano.
Zarif também integrou o grupo de negociação que em 2003, liderado pelo próprio Rowhani, chegou a um acordo com países europeus para a suspensão temporária de enriquecimento de urânio.
As condições favoráveis, porém, não bastam para desaconselhar o ceticismo. De saída porque cabe ao aiatolá Ali Khamenei a última palavra em decisões estratégicas --e nada sugere que a elite iraniana considere a arma nuclear um item supérfluo naquela região.
Há ainda outras dificuldades, a principal das quais talvez seja a desconfiança mútua. Durante discurso no Parlamento, Rowhani cobrou do Ocidente um diálogo em condições de igualdade: "Falem com o Irã usando a linguagem do respeito, não a das sanções".
Sendo pouco provável que isso ocorra em breve, é grande o desafio da comunidade internacional, sobretudo dos EUA, para demonstrar que reconhece o esforço de Teerã. Ao mesmo tempo, os países envolvidos nas negociações não podem abrir mão de manter o programa iraniano sob monitoramento.
Ainda assim, o novo governo e a difícil situação econômica do país constituem rara oportunidade para um acordo positivo acerca da questão nuclear.
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