quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Morre aos 87 o romancista policial Elmore Leonard - Raquel Cozer

folha de são paulo
Autor de 45 livros, americano foi vítima de complicações de um derrame
Obra do escritor originou filmes como 'Jackie Brown', de Tarantino, e 'O Nome do Jogo', com Travolta
RAQUEL COZERCOLUNISTA DA FOLHA
O norte-americano Elmore Leonard, autor de faroestes e policiais que originaram filmes como "Hombre" (1967) e "O Nome do Jogo" (1995), morreu ontem, aos 87 anos, em sua casa em Detroit, nos EUA, por complicações decorrentes de um derrame.
O escritor sofrera um acidente vascular cerebral em 29 de julho. Recentemente, seu filho Chris Leonard escreveu no Facebook que o pai não mostrava sinais de melhora e que a família estava se reunindo para ficar junto dele.
Autor de 45 livros (estava escrevendo o 46º), além de roteiros para TV e cinema, Leonard era elogiado pelo texto bem-humorado e pelos diálogos realistas. Tinha admiradores como os escritores Stephen King e Martin Amis e o diretor Quentin Tarantino, que adaptou "Rum Punch" (1992) no filme "Jackie Brown" (1997).
A maior parte da obra originou filmes para cinema e TV, como "O Nome do Jogo", com John Travolta, e "Irresistível Paixão" (1998), de Steven Soderbergh.
Entre adaptações mais recentes estão a série "Justified", cuja quinta temporada estreia no canal FX em 2014, e o filme "Life of Crimes", com Jennifer Aniston, previsto para o Festival de Cinema de Toronto, no mês que vem.
Filho de um executivo da General Motors, Elmore Leonard nasceu em 11 de outubro de 1925, em Nova Orleans, e vivia desde 1934 em Detroit. Era fascinado por esportes (fã do time de beisebol Detroit Tigers) e armas (obcecado pelos bandidos Bonnie e Clyde).
Após um período na Marinha, entrou na Universidade de Detroit e começou a trabalhar como redator publicitário. Formou-se em 1950 em inglês e filosofia.
Seu primeiro conto, "Trail of the Apaches", saiu na revista "Argosy", em 1951.
Em 1953, lançou o romance "The Bounty Hunters", publicado no Brasil como "Os Órfãos de Ruanda" (Rocco).
A Rocco tem 16 títulos do autor em catálogo, sendo sete de faroeste, como "Hombre" e "Valdez Vem Aí". Outros dois, "Joe la Brava" (1990, esgotado) e "Bandidos" (1998), saíram pela Record. A Companhia das Letras lança em outubro o romance mais recente de Leonard, "Raylan", de 2012. Em 2014, sai "Djibouti", de 2010.
À Folha, em 2004, Leonard comentou a mágoa por não vender como outros autores de thrillers. "Vendo 100 mil cópias de cada livro. Isso é bom, me coloca na lista dos top' do New York Times'. Mas não se compara com John Grisham, que vende 2 milhões por título", disse.
Casado três vezes, vivia com a terceira mulher desde 1993. Deixou cinco filhos do primeiro casamento, 12 netos e cinco bisnetos.

ANÁLISE - CINEMA
Histórias de Leonard têm diálogos imbatíveis
Livros do autor, que começam a mil por hora, parecem feitos sob medida para as telas e atraíram diretores talentosos
ANDRÉ BARCINSKICRÍTICO DA FOLHAMais de 20 filmes foram adaptados de livros e histórias de Elmore Leonard, com resultados diversos.
Alguns cineastas conseguiram captar o humor e o ritmo fluido dos seus diálogos, como Quentin Tarantino ("Jackie Brown", 1997) e Barry Sonnenfeld, no divertido "O Nome do Jogo" (1995), em que John Travolta faz o gângster Chili Palmer, que sonha em fazer carreira em Hollywood.
Em "Jackie Brown", adaptado do romance "Rum Punch", Tarantino manteve a história central de uma aeromoça, Jackie Burke, que transporta dinheiro para um traficante de armas. Mas transformou a personagem principal de uma mulher branca em negra, e pôs no papel a ótima Pam Grier. Já Steven Soderbergh foi fiel ao livro "Out of Sight" ao dirigir "Irresistível Paixão" (1998).
O que atraiu tantos diretores talentosos aos livros de Leonard? Em primeiro lugar, o próprio estilo do escritor, que gostava de histórias simples e que já nasciam a mil por hora, sem delongas ou prólogos arrastados.
Leonard escrevia grandes personagens, tinha um talento inigualável para diálogos, ótimo senso de humor, e não perdia tempo com o que não interessava. "Tento deixar de fora partes que os leitores tendem a pular", era um de seus segredos para escrever bem, listados em artigo no jornal "The New York Times", em 2001. Outros itens da lista (veja na pág. E1) como "não entre em detalhes ao descrever lugares e coisas" parecem feitos sob medida para cinema.
Tarantino disse que Leonard foi o primeiro escritor que o marcou e que aprendeu a escrever diálogos lendo seus livros: "Ele deixava os personagens conversarem cobre coisas mundanas, aparentemente sem importância, e de repente, você estava no meio da história."
O autor de romances policiais Dennis Lehane ("Sobre Meninos e Lobos") disse que seu sonho era escrever diálogos como Leonard: "Ninguém põe o leitor dentro' de uma conversa como ele. É tudo tão fluido e realista que parece que você está escutando por uma fresta na porta."
    ANÁLISE - LIVROS
    Escritor extraía densidade psicológica da simplicidade máxima
    LUIZ BRASESPECIAL PARA A FOLHA
    Meses atrás, o repórter da revista "Vanity Fair" perguntou-lhe, entre outras coisas, como gostaria de morrer. Elmore Leonard não titubeou: "Isso faz alguma diferença? Você está morto!".
    Talvez o interlocutor esperasse um comentário mais espirituoso ou filosófico. Entrevistas com escritores são um ótimo momento para se fazer "literatura" sobre a vida, a arte e a morte.
    Porém, ao longo de seis décadas de atividade intensa, Elmore Leonard conquistou uma fila infinita de fãs justamente evitando fazer "literatura", no sentido de "belas letras". Preferia, a qualquer alternativa, extrair toda a densidade psicológica apenas da máxima simplicidade. Nisso ele foi fiel a seu mestre, o Ernest Hemingway das descrições brutas e dos diálogos secos.
    Elmore Leonard acreditava somente na prosa poeirenta, rústica. Seus romances e contos de faroeste "Fuga de Cinco Sombras", "Hombre" e outros são uma coleção de situações violentas e indivíduos decididos a resolver tudo na queda de braço.
    A vida é feroz, igual à morte. A linguagem literária não podia contradizer essa verdade. Sempre que uma frase minimamente retórica, beletrista, intrometia-se em suas narrativas, Elmore Leonard gastava algum tempo espancando, embrutecendo o texto.
    Outra característica apaixonante de seus livros é o senso de humor, em geral negro, quase macabro. As trapaças e os homicídios de seus romances policias "" "Tiro Certo", "Cassino Blues" etc. "" devem parte da alta potência ao exagero mórbido, beirando o cômico.
    O personagem favorito de Elmore Leonard era Raylan Givens, dos romances "Pronto" e "Cárcere Privado". Raylan, com seu inseparável chapéu de caubói, possui todas as característicaS de um herói de faroeste teletransportado para a literatura de investigação.
    Para Ernest Hemingway, um bom ficcionista deve revelar apenas dez por cento ao leitor, deixando os outros noventa por cento submersos. É a famosa teoria do iceberg.
    Na obra de Elmore Leonard, os melhores momentos surgem dessa dialética da elipse. É sinal de que o ensinamento do mestre foi levado a sério.

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