Paula Carolina
Estado de Minas: 03/08/2013
Da saúde humana à animal, passando pelo meio ambiente e agroindústria, a biotecnologia está mais presente em nossa vida do que normalmente se imagina. O setor vem se desenvolvendo a passos largos e o Brasil, conseguindo destaque em algumas áreas. Fundamentado em pesquisa e carente de recursos, o segmento tem nas parcerias os maiores aliados. Em Minas Gerais, grandes, médias e microempresas que atuam nos mais distintos ramos de atividade compartilham os efeitos benéficos dessa força desde a fundação da Associação Mineira de Empresas de Biotecnologia e Ciências da Vida (Ambiotec), em 2010. A formalização da entidade e o apoio do governo estadual possibilitaram diversos tipos de intercâmbios – regionais, nacionais e internacionais –viabilizando, em conjunto, o desenvolvimento individual de cada uma das empresas. As atuais 40 associadas ganham destaque em suas áreas de atuação.
Uma delas é a Labtest, que produz e comercializa reagentes e equipamentos para auxílio no diagnóstico de exames. A mais recente e importante novidade da empresa, ainda em fase de divulgação ao segmento médico, é o NGAL, um marcador que acusa lesões renais precocemente, por meio de exame de sangue ou de urina, possibilitando o tratamento de doenças que, se descobertas mais tarde, não teriam chance de cura. Ou seja, é a possibilidade de antecipação de diagnóstico de problemas renais graves, evitando que a doença persista pelo resto da vida do paciente. O desenvolvimento do marcador é fruto de parceria com uma empresa da Dinamarca e mesmo no exterior ainda é considerado uma novidade. No Brasil, além da Labtest, apenas mais uma empresa (multinacional) tem o produto.
O NGAL ou lipocalina associada com gelatinase de neutrófilos humanos é uma substância química sintetizada pelo organismo. “A lipocalina é uma proteína que, se alterada, aparece no sangue quando há uma lesão renal”, explica o farmacêutico e bioquímico Fúlvio César Facco, gerente de inovação da Labtest. “O processo acontece da seguinte forma: o rim tem células que fazem a filtração dos elementos químicos do sangue. Mas essas células podem ir morrendo aos poucos e o rim vai perdendo a função. E quando há lesão dessas células, existe a liberação do NGAL no sangue. Esse marcador que desenvolvemos tem a função de quantificar a quantidade de NGAL liberada, que é um indício de que o rim foi lesionado”, completa. “E isso pode ser diagnosticado tanto pelo exame de sangue como pelo de urina”, acrescenta.
A revolução do NGAL está no fato de que os marcadores existentes até hoje – o mais comum é a creatinina –somente conseguirem diagnosticar a doença quando ela está em estágio avançado. “Quando há uma alta concentração de creatinina, que também indica lesão renal, o problema já está agravado. Com o NGAL, é possível tomar conhecimento da situação quando há uma lesão mínima, em estágio bem inicial. O paciente pode ser tratado e deixar de ter o problema, ou seja, ficar curado”, compara Facco.
O problema é que o marcador tem valor agregado muito alto, o que torna o exame caro. Para exemplificar, o gerente de inovação da Labtest explica que o custo para o laboratório que vai fazer o exame é cerca de 50 vezes maior do que de um exame de glicose, por exemplo, o que dificulta o acesso do produto ao mercado como um todo. Por enquanto, ele revela que a empresa está em negociação para comercializar o produto com grandes hospitais do Brasil como o Albert Einstein e o Hospital das Clínicas, ambos de São Paulo, além de algumas clínicas de nefrologia. Já para o paciente, considerando que o NGAL ainda não foi assimilado pelos planos de saúde, ele estima que o exame custaria entre R$ 75 e R$ 100. “É um exame caro se comparado ao de glicose, que custa em torno de XXXX, mas se a comparação é com o teste de DNA, que sai em torno de XXXX, é bem mais barato”, pondera.
Para o presidente do Departamento de Nefrologia da Associação Médica de Minas Gerais, Fernando das Mercês de Lucas Júnior, o marcador de NGAL tem sua importância, principalmente nos casos de insuficiência renal aguda, exatamente pela descoberta da doença precocemente. Ele avalia, porém, que o exame não é para todos os pacientes com problema renal. “É uma técnica muito recente. Não é para ser usado indiscriminadamente. É mais para casos de insuficiência renal aguda e nesse cenário o custo-benefício vale a pena. Por exemplo: um paciente idoso que acabou de sair de uma cirurgia cardíaca. Essa é uma doença que tem grandes chances de se desenvolver no pós-operatório. E se você ficar esperando, perde a chance de um diagnóstico precoce. Então é um caso em que esse exame se aplica”, diz Fernando Lucas Júnior.
SEM SACRIFÍCIO De grandes empresas como a Labtest a pequeninas como a Bios, que atua na área de consultoria, associados da Ambiotec colhem os mais variados frutos. “A Bios é uma empresa que surgiu da necessidade do mercado. Eu e uma amiga trabalhamos seis anos na indústria produtora de vacina. E tínhamos o conhecimento amplo desde o desenvolvimento do produto na bancada até o registro no Ministério da Agricultura, seu licenciamento e comercialização. E quando saímos dessa empresa, o mercado nos procurou para a prestação de serviços de consultoria”, conta a proprietária da Bios, Luciana Aramuni Gonçalves. Mas a grande visibilidade da empresa veio depois de trabalho desenvolvido por demanda da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) em que a Bios fez o desenho da cadeia de valor do setor de biotecnologia da Região Metropolitana de Belo Horizonte. “Esse trabalho virou um documento usado por todos os setores de negócio do país, pois essa cadeia de valor divide os passos para a produção de cada tipo de produto relacionado ao setor de biotecnologia”, conta com orgulho a proprietária da Bios, que atualmente é doutoranda em veterinária na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
E é exatamente nesse doutorado que deverá ser desenvolvido outro importante produto da área de biotecnologia. Em parceria com o Ministério da Agricultura, Luciana desenvolve um projeto cujo objetivo é “substituir os testes de potência de vacina in vivo” ou seja criar testes sorológicos in vitro que permitam acabar com o uso de cobaias (animais vivos) para a produção de vacinas veterinárias. Sem poder entrar em detalhes, já que o doutorado está previsto para terminar em janeiro de 2016 e só então poderá ser revelada qual é exatamente a vacina (ou as vacinas) que está sendo desenvolvida, a futura doutora exemplifica: “Posso dar um exemplo que não faz parte do projeto. A vacina contra a raiva é testada em camundongos. É um teste muito cruel porque são usados bebês e a inoculação é intracerebral. O projeto que desenvolvo é para que os testes sejam feitos sem que se usem animais para ver seus resultados”.
Visibilidade internacional
O intercâmbio de informações, além da possibilidade de convênios, com especialistas de todo o mundo que atuam em uma mesma área é uma importante ferramenta de desenvolvimento quando o assunto é tecnologia. Fazer parte da Ambiotec vem possibilitando às empresas da área de biotecnologia e ciências da vida maior participação em importantes feiras internacionais e a visibilidade do setor vem sendo cada vez maior. Um dos próximos passos da entidade visa a Associação das Empresas de Biotecnologia da Espanha (ACBio). Até o fim do mês que vem, as duas associações devem firmar um convênio de cooperação permitindo que empresas de ambos os países façam negócios entre si. “E não é só questão de fazer negócios. A Espanha é o portão de entrada da Europa para projetos da União Europeia”, lembra a coordenadora executiva da Ambiotec, Vanessa Silva da Silva. Já para o fim do ano, está prevista a participação da Ambiotec na Biolatin, um evento realizado em Bogotá, voltado para a promoção de rodadas de negócios entre empresas da Europa e da América Latina.
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