Palavra de sambista
RIO DE JANEIRO - Um dos melhores cartuns já criados no Brasil --por Jaguar, claro-- mostra Cristo na cruz, falando para uma interlocutora invisível: "Hoje não dá, Madalena. Estou pregado". A ideia de alguém impossibilitado de fazer algo importante por algum compromisso anterior pode ser dramática.
Ou cômica, como na resposta do violonista Baden Powell, em 1965, ao convite da embaixada americana no Rio a se apresentar para o presidente Lyndon Johnson, na Casa Branca, por aqueles dias: "Não posso. Nesta quinta, estreio no Zum-Zum" --sendo o Zum-Zum uma microboate de Copacabana, frequentada apenas por seus amigos.
Ou trágica, como na entrega do Oscar em 1955, a que Judy Garland não poderia comparecer porque sua filha nasceria naquela noite --e Judy era favorita a melhor atriz por "Nasce uma Estrela". Assim, as TVs de Hollywood acamparam em seu quarto no hospital para captar o momento em que ela seria anunciada como vencedora. Mas quem ganhou foi Grace Kelly, por "Amar É Sofrer", e as câmeras se evaporaram em dois minutos.
No sábado último, o sambista carioca Monarco seria uma das estrelas da roda de samba de Moacyr Luz no botequim paulistano Pirajá, para o lançamento de um belo CD inédito, "A Cozinha do Samba", gravado por eles, lá mesmo, há dez anos. De última hora, Monarco soube que, de manhã, naquele dia, seria uma das personalidades abençoadas pelo papa Francisco no Theatro Municipal.
Monarco poderia ter feito como Baden: "Perdão, Santidade, mas tenho show à tarde no Pirajá, em Sampa". Ou ter trocado o samba pelo papa. Mas os tempos são outros. Monarco se embecou, deixou-se abençoar pelo papa no Municipal, correu para a ponte aérea e adentrou o Pirajá com seu terno branco, chapéu de aba curtinha e voz inconfundível. Ele prometera. E palavra de sambista é assim --dispensa até o fio de bigode.
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