Mercado de Frankfurt acorda para o Brasil
País é convidado deste ano de uma das principais feiras literárias do mundo e ganha 72 traduções na Alemanha
Número de obras, porém, é inferior ao de outros países convidados; especialistas culpam indecisão de editoras
Com a homenagem que a Feira do Livro de Frankfurt faz ao Brasil, em outubro, e os subsídios para tradução da FBN (Fundação Biblioteca Nacional), a literatura brasileira renasce no maior mercado de livros da Europa.
De 2012 até o fim de 2013, a Alemanha ganhará 72 obras de literatura (54 inéditas), 19 antologias e 19 livros infantis. Incluindo títulos de não ficção, serão cerca de 250 livros de autores brasileiros ou que têm o Brasil como tema.
É bem mais do que os 59 títulos brasileiros que circulavam na Alemanha em 2011, sendo 39 edições de Paulo Coelho. O cálculo é de Michael Kegler, tradutor que compilou os números para a Feira de Frankfurt.
Tradicionalmente, a literatura do país convidado do principal evento editorial do mundo atrai investimento das editoras alemãs. "A atenção que o país recebe da mídia, essencial para vender livros, estimula os editores", diz Nicole Witt, agente literária que representa 50 autores brasileiros na Alemanha.
O bom momento criado pela feira foi ajudado pelas bolsas de tradução da FBN. Criado em 2011, o programa subsidiou até agora parte dos custos de tradução para a língua alemã de 56 obras de ficção e 10 antologias.
A Suhrkamp, a S. Fischer e a Wagenbach são as editoras que mais estão publicando livros brasileiros. De nove a 10 títulos cada, elas mesclam autores clássicos, contemporâneos e antologias.
A primeira fez uma seleção que vai de Mário de Andrade a Daniel Galera. Já a S. Fischer aposta especialmente em Jorge Amado e Chico Buarque, enquanto a Wagenbach tem, entre outros, Guimarães Rosa e Paulo Scott.
A pequena Assoziation A se destaca com as obras de Luiz Ruffato e Beatriz Bracher. A DTV, de grande porte, colocou suas fichas em Francisco Azevedo. E a Schöffling & Co. optou por relançar toda a obra de Clarice Lispector, projeto para 10 anos.
Mesmo com o forte impulso, as 72 traduções que o Brasil conseguiu é menos do que outros países homenageados por Frankfurt alcançaram. A Argentina, convidada em 2010, teve cerca de 100 novas traduções, enquanto a Islândia teve 90.
Para alguns editores, a demora na criação das bolsas de tradução da FBN justifica a diferença, assim como a indecisão das editoras. "Muitas queriam o melhor romance de todos e acabaram por perder várias oportunidades", afirma a tradutora Marianne Gareis.
"Cada país tem uma trajetória internacional", diz Fábio Lima, coordenador do programa de traduções da FBN. "Chegar a Frankfurt com alto número de publicações é um feito, mas o principal desafio é a continuidade, ou seja, manter um número considerável de traduções nos próximos anos."
É o mesmo desafio que o Brasil tinha em 1994, quando foi convidado de Frankfurt pela primeira vez, e que não conseguiu cumprir. Após a feira, não houve nenhum estímulo sistemático à promoção da literatura brasileira. Desta vez, há as bolsas de tradução, com orçamento total de R$ 17,5 milhões até 2020.
O que esperar para depois de 2013? "O momento para publicar é este. No ano que vem, será difícil motivar os livreiros alemães com obras do Brasil" afirma Marco Bosshard, da Wagenbach. Já Witt mostra-se otimista. "Ainda há muitos brasileiros que merecem tradução, e hoje temos condições melhores para conseguir isso", diz.
Manter ritmo da linguagem no alemão é desafio para tradutores
COLABORAÇÃO PARA A FOLHAQuando mergulhou em "O Lustre", de Clarice Lispector, para traduzi-lo ao alemão, Luis Ruby logo identificou o desafio. "A Clarice diz coisas estranhas, muito pouco óbvias, e a sequência das palavras do texto é fundamental para criar esse efeito", diz.O problema é que a ordem das palavras no português é muito diferente da ordem no alemão. Um exemplo dos mais triviais é a sequência substantivo-adjetivo: enquanto em português dizemos "escritora brasileira", em alemão fala-se "brasileira escritora".
A solução para reproduzir o estilo da escrita de Clarice foi corromper a sintaxe alemã, mantendo a ordem das palavras em português em muitos momentos. "Isso gerou outro desafio, que era criar frases no alemão que não perdessem a beleza e que não fossem complicadas demais", diz Ruby.
Estrutura das frases e ritmo são apenas algumas das dificuldades que os tradutores enfrentam. "Formação de palavras, tom, sintonia, elipses, poéticas inerentes, são todas essas coisas que influenciam cada decisão", afirma Wanda Jakob, tradutora de Ana Paula Maia.
Outro problema é a tradução de gírias, muito variadas no português. "Acho difícil traduzir as frases feitas e idiomáticas, até porque não existem dicionários para isso", afirma Marianne Gareis, tradutora de Machado de Assis e José Saramago.
Problema maior ainda são os palavrões. "Além de o cardápio ser muito extenso, eles soam bem mais pesados e grosseiros em alemão do que em português", diz Michael Kegler, tradutor de Luis Ruffato, José Eduardo Agualusa e Gonçalo Tavares.
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