sábado, 31 de maio de 2014

ARNALDO VIANA » Por falar em bananas...‏

Estado de Minas: 31/05/2014 






Europeus, especialmente espanhóis, têm a péssima mania de atirar bananas em campos de futebol. O episódio recente envolvendo o lateral Daniel Alves ainda repercute. O jogador brasileiro evitou o desperdício de alimento e comeu a fruta, o que se transformou em gesto delicado de resposta ao racismo. No Brasil também há esse tipo de banana, cultivado desde a colônia. Senão, vejamos!

Anos 1970. O rapaz magro, morador de periferia, declarado pardo na certidão de nascimento, amargava tempo de desemprego. Certo início de noite recebeu convite amigo para uma cerveja. “Não tenho dinheiro, você sabe disso”, alegou. “Não se preocupe, vou pagar.” Um copo, dois copos, o companheiro disse: “Vou ver se consigo vaga para você na empresa para a qual trabalho. Sabe que é uma distribuidora de margarina e dizem que precisam de gente no escritório.” Despediram-se. O desempregado saiu animado. Achar ocupação remunerada naquela época era difícil.

Dias depois de ansiedade reencontrou o amigo. “E então, cara?”, perguntou. O outro fingiu de desentendido: “Então o quê?”. Um pequeno mal-estar. “O emprego? Conseguiu?”. Um pigarreio para disfarçar o desconforto e a resposta: “Sabe, o nosso gerente é um americano. Falei de suas qualidades, escolaridade, essas coisas. Mas o homem perguntou da cor de sua pele e, quando soube, disse que não havia mais vagas etc. etc. etc.”

Meados dos anos 1980. Dois jornalistas desembarcam em Porto Alegre escalados para a cobertura de um jogo de futebol. Coincidentemente, são negros ou pardos, como reza a certidão do cartório de registros. Acomodam-se no hotel três estrelas e saem para almoçar. Passava pouco das 13h. Ganham a rua e entram no restaurante metido a chique. Quase cheio. Dirigem-se a uma mesa quase nos fundos do salão. O garçom traz o cardápio. Mal começam a escolher os pratos são abordados por um cidadão que se dizia maitre, gerente, ou seja lá o que fosse. “Desculpem-nos, senhores, mas a cozinha já está fechada.” Saíram não sem notar que havia clientes chegando e outros sentados fazendo pedidos. Dirigiram-se, então, a uma churrascaria, casa geralmente desprovida de preconceito e discriminação.

Anos 1990. Aceita convite de amigos, colegas de trabalho, para jantar em restaurante do Bairro de Lourdes, na Avenida Olegário Maciel. É o único do grupo de pele negra. Fim do encontro, todos saem e se dirigem aos carros estacionados nas imediações. O dele, um Dodge Polara de segunda mão. Abre a porta, liga o motor e não consegue manobrar para sair, porque um carro da Polícia Militar emparelha-se. Ordenam que desça e encoste no carro, de costas para eles, com a mãos na cabeça e as pernas abertas para a revista. Vasculham todo o veículo. Os amigos chegam e tentam intervir. Mandam-nos fechar a boca. Finda a busca, dizem: “Está liberado. É que está havendo muitos assaltos nesta região”. Deu para ler na testa do militar que, para ele, bandido não tinha estrela na testa, mas, sim, pele de cor escura.

Anos 2000. Os mesmos jornalistas rejeitados no restaurante gaúcho hospedam-se em um hotel em frente ao Aeroporto Santos Dumont, no Rio. Serviço feito, tomam banho e decidem sair para jantar. Passava das 22h. “Conheço um restaurante em Botafogo, ó!”, disse um deles. “É um pouco longe, mas vamos a pé, respirando o ar marinho?”. Quando dizem no hall que não querem táxi, o porteiro aconselha: “Não é bom andar a pé nesta região”. Entreolham-se e respondem: “Não se preocupe. Estamos acostumados. Não seremos incomodados”. Pegam uma das calçadas da avenida Infante Dom Henrique, rumo a Botafogo. Não foram mesmo incomodados. As pessoas que andavam em sentido contrário mudavam de calçada.

Reflexão do Negrão 1: Está chegando gente de todos os lugares do planeta. Há diferenças físicas, nos hábitos e até no jeito de vestir. Mas são diferenças que não os fazem diferentes. São como nós. Somos iguais.

 Reflexão do Negrão 2: Disseram que o Negrão só pergunta. Não responde. Ah, se o Negrão soubesse daquelas seis vigas de aço de 20 toneladas cada roubadas na área portuária do Rio…; se soubesse como evitar as mazelas humanas…, e como não praticá-las; ah, se soubesse…

>> arnaldoviana.mg@diariosassociados.com.br

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