quinta-feira, 25 de outubro de 2012

"Recusa" retrata cultura indígena com brilho


TEATRO
CRÍTICA / DRAMA

"Recusa" retrata cultura indígena com brilho
Peça da Cia. Balagan incorpora lendas, cantos e línguas dos povos ameríndios para compor uma narrativa contundente
LUIZ FERNANDO RAMOS

CRÍTICO DA FOLHA

Cena ameríndia. "Recusa", espetáculo da Cia. Balagan, propõe um mergulho no caldeirão das culturas indígenas do Brasil.
Mais que retratá-las, os artistas envolvidos incorporaram suas línguas, cantos e mitos até o ponto de tornarem-se índios.
A encenação de Maria Thaís se ancora no trabalho de dois atores, Antônio Salvador e Eduardo Okamoto, que concretizam esta incorporação e sustentam uma narrativa cênica contundente.
A dramaturgia de Luiz Alberto de Abreu, que partiu de lendas recolhidas, quer revelar o que é ser esse outro sem uma dramatização convencional. Contou para isso com os atuantes, fazendo de seus corpos e vozes fundo sonoro e visual com que narram algumas histórias.
A direção musical de Marluí Miranda propiciou que os intérpretes assimilassem cantos de diversas etnias, sempre apresentados nas línguas originais, o que torna seus desempenhos um recital de musica acústica.
A forma do dueto, ou da dupla que interage em uníssono, segue a estrutura das mitologias ameríndias descrita pelo antropólogo francês Claude Lévi-Strauss.
Ele reparou que na América indígena os pares míticos não se aniquilavam entre si, mas compartilhavam suas diferenças criativamente.
Acrescente-se a percepção de outro antropólogo, o brasileiro Eduardo Viveiros de Castro, sobre a peculiar noção de humanidade daquelas culturas. Ela permite estabelecer um fluxo de mutações em que os seres flutuam por diversas formas de vida.
Ali, homens, animais, plantas e rios têm suas almas ou são igualmente pessoas.
Os dois intérpretes variam entre serem homem e onça, pássaro e árvore, narrador e coisas narrada. Contam desde cosmogonias primitivas até casos recentes, como o que inspirou a produção, sobre dois índios isolados que se recusaram a receber ajuda quando descobertos.
O único estranhamento, neste discurso indígena que se quer não mediado pelo homem branco, é quando a voz de um fazendeiro devorado ainda fala na barriga do índio. O tom ideológico contrasta com o "pensamento selvagem" que vinha sendo cultivado.
É pouco para empanar o brilho da realização da Balagan, que arrisca uma nova abordagem teatral da questão indígena.
RECUSA
QUANDO de qui. a sáb., às 21h30; dom., às 19h; última semana
ONDE SP Escola de Teatro (pça. Roosevelt, 210; tel. 0/XX/11/3775-8600)
QUANTO R$ 10
CLASSIFICAÇÃO 12 anos
AVALIAÇÃO ótimo

Nenhum comentário:

Postar um comentário